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Dos gozantes e dos gozados
JOSÉ ROBERTO TORERO
da Equipe de Articulistas
Futebol e religião estão mais ligados do que sonha a nossa vã filosofia. Uma prova disso são os jogos de hoje, que muito lembram
os destinos das almas depois que
mergulham na treva.
Juventude e Botafogo-SP, por
exemplo, farão o clássico do enxofre. Quem vencer dá um passo para sair das profundezas lodosas do
inferno. Quem perder estará mergulhando nas chamas do rebaixamento.
Mas há também duelos no purgatório. É o caso dos choques entre Atlético-PR e Paraná, e Santos
e Lusa.
O Santos, em particular, vive
uma semana que pode enterrá-lo
ou alçá-lo às culminâncias celestes. Depois da Lusa pega em casa
os zumbis do Botafogo carioca. É
uma chance rara.
Já Flamengo e São Paulo fazem
um clássico no céu. Romário de
um lado, França de outro, o jogo
tem toda a cara de um empate diplomático que manterá ambos na
rota segura em direção aos jogos
eliminatórios.
E falando em jogos eliminatórios, arrisco uma composição do
octeto final: Corinthians, Vasco,
Cruzeiro, Flamengo, São Paulo,
Atlético-MG, Grêmio e Palmeiras,
que atualmente parece um Hamlet zanzando entre o Brasileiro, a
Mercosul e a final do Mundial Interclubes. Ser ou não ser...
Os corintianos que me perdoem
insistir no dolorido assunto, mas
os 4 a 1 do último domingo me fizeram pensar sobre o dia seguinte
às goleadas.
Os torcedores do time vencedor
-os gozantes- põem as camisas
de seus clubes, colocam jornais
nos quadros de avisos e aproveitam qualquer deixa para lembrar
os torcedores do time derrotado
-os gozados- sobre o resultado
do jogo. Algo assim: um corintiano lê o jornal e comenta com o
amigo palmeirense:
"Rapaz, e esse negócio em Timor Leste, hem? Que pena!"
"Pois é... Falando em pena você
viu os passes que o Pena deu nos
gols do Palmeiras?"
"Que é isso, cara!? Eu aqui com
coisa séria e você vem falar de futebol. Está maluco?!"
"Maluco ficou o Augusto depois
que chutou o chão."
"Eu vou é procurar alguém que
esteja à minha altura."
"Tenta o João Carlos, mas aproveita e avisa para marcar o César
Sampaio."
"Eu não aguento!"
"Foi o que o Dida falou depois
de tomar dois gols do Paulo Nunes."
É de torrar a paciência! O torcedor gozado precisa ter o equilíbrio de um Dalai Lama para não
cometer uma loucura. Mas como
para tudo há solução, deixo aqui
alguns conselhos para os gozados
de amanhã:
Se possível, não vá trabalhar.
Se for, tente um desses dois caminhos:
A) Conte algo maravilhoso. Diga, por exemplo, que ganhou no
bicho ou que está namorando a
Ana Paula Arósio. Quando o gozante vier falar do jogo, você diz:
Jogo!? Você acha que eu vou perder meu tempo com futebol?!
B) Mencione um acontecimento
trágico: um falecimento, uma
doença de filho, a descoberta de
um câncer, qualquer coisa que o
deixe constrangido. A compaixão
e a inveja são sentimentos poderosos e diminuirão o ímpeto gozador do gozante.
Só assim você, gozado, terá uma
pequena trégua até a próxima rodada, quando tudo pode se inverter e você é que será impertinente,
desagradável e muito, muito chato. O que é muito, muito bom.
E-mail: torero@uol.com.br
José Roberto Torero escreve às quartas
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