São Paulo, Quarta-feira, 15 de Setembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Dos gozantes e dos gozados

JOSÉ ROBERTO TORERO
da Equipe de Articulistas

Futebol e religião estão mais ligados do que sonha a nossa vã filosofia. Uma prova disso são os jogos de hoje, que muito lembram os destinos das almas depois que mergulham na treva.
Juventude e Botafogo-SP, por exemplo, farão o clássico do enxofre. Quem vencer dá um passo para sair das profundezas lodosas do inferno. Quem perder estará mergulhando nas chamas do rebaixamento.
Mas há também duelos no purgatório. É o caso dos choques entre Atlético-PR e Paraná, e Santos e Lusa.
O Santos, em particular, vive uma semana que pode enterrá-lo ou alçá-lo às culminâncias celestes. Depois da Lusa pega em casa os zumbis do Botafogo carioca. É uma chance rara.
Já Flamengo e São Paulo fazem um clássico no céu. Romário de um lado, França de outro, o jogo tem toda a cara de um empate diplomático que manterá ambos na rota segura em direção aos jogos eliminatórios.
E falando em jogos eliminatórios, arrisco uma composição do octeto final: Corinthians, Vasco, Cruzeiro, Flamengo, São Paulo, Atlético-MG, Grêmio e Palmeiras, que atualmente parece um Hamlet zanzando entre o Brasileiro, a Mercosul e a final do Mundial Interclubes. Ser ou não ser...
Os corintianos que me perdoem insistir no dolorido assunto, mas os 4 a 1 do último domingo me fizeram pensar sobre o dia seguinte às goleadas.
Os torcedores do time vencedor -os gozantes- põem as camisas de seus clubes, colocam jornais nos quadros de avisos e aproveitam qualquer deixa para lembrar os torcedores do time derrotado -os gozados- sobre o resultado do jogo. Algo assim: um corintiano lê o jornal e comenta com o amigo palmeirense:
"Rapaz, e esse negócio em Timor Leste, hem? Que pena!"
"Pois é... Falando em pena você viu os passes que o Pena deu nos gols do Palmeiras?"
"Que é isso, cara!? Eu aqui com coisa séria e você vem falar de futebol. Está maluco?!"
"Maluco ficou o Augusto depois que chutou o chão."
"Eu vou é procurar alguém que esteja à minha altura."
"Tenta o João Carlos, mas aproveita e avisa para marcar o César Sampaio."
"Eu não aguento!"
"Foi o que o Dida falou depois de tomar dois gols do Paulo Nunes."
É de torrar a paciência! O torcedor gozado precisa ter o equilíbrio de um Dalai Lama para não cometer uma loucura. Mas como para tudo há solução, deixo aqui alguns conselhos para os gozados de amanhã:
Se possível, não vá trabalhar.
Se for, tente um desses dois caminhos:
A) Conte algo maravilhoso. Diga, por exemplo, que ganhou no bicho ou que está namorando a Ana Paula Arósio. Quando o gozante vier falar do jogo, você diz: Jogo!? Você acha que eu vou perder meu tempo com futebol?!
B) Mencione um acontecimento trágico: um falecimento, uma doença de filho, a descoberta de um câncer, qualquer coisa que o deixe constrangido. A compaixão e a inveja são sentimentos poderosos e diminuirão o ímpeto gozador do gozante.
Só assim você, gozado, terá uma pequena trégua até a próxima rodada, quando tudo pode se inverter e você é que será impertinente, desagradável e muito, muito chato. O que é muito, muito bom.

E-mail: torero@uol.com.br


José Roberto Torero escreve às quartas


Texto Anterior: Oliveira submete Augusto a "terapia"
Próximo Texto: Tênis - Thales de Menezes: Quanto vale o show
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.