São Paulo, quinta-feira, 15 de setembro de 2011

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JUCA KFOURI

A reitora querida


Nadir Kfouri não foi uma dama de ferro, mas uma mulher que se indignava sem perder a graça


NOS DEZ ANOS de CBN E.C., apenas uma vez não usei o bordão "Está na hora do remédio da dona Nadir", brincadeira que virou homenagem a uma senhora ouvinte da rádio que depois da estreia do programa reclamou que o apresentador não dava a hora certa e ela se esquecia de tomar seu remédio.
Não eram poucos os ouvintes que supunham ser a dona Nadir minha mãe ou alguém da família ao ouvir a frase que passou, a partir do segundo programa, a anteceder os intervalos. Mas não havia mesmo nenhum parentesco, e ela morreu dois anos atrás, aos 77.
Uma outra Nadir, Nadir Kfouri, no entanto, primeira mulher no mundo a ser reitora de uma universidade católica, forte e lúcida então, embora quase surda, não se conformava com o bordão porque, em seus passeios diários pelas ruas do Itaim, ouvia, ao passar num ponto de táxi, os motoristas brincarem com ela com a história dos remédios. Uma dia ela me disse: "Meu sobrinho, você é mesmo uma peste.
Você sabe que eu não consigo ouvir o seu programa e fica com essa história de me mandar tomar remédio. Eu não tomo remédio, graças a Deus!".
Jamais diria a ela, e jamais disse, que a homenagem era para outra Nadir...
Pois ela nos deixou anteontem, aos 97 anos, com o nome imortalizado na biblioteca da PUC paulistana, que comandou de 1976 a 1984, na primeira vez indicada e, na segunda, eleita pelos funcionários, alunos e professores, mas que para quebrar o tabu de ser a pioneira entre as mulheres precisou que dom Paulo Evaristo Arns intercedesse com o papa Paulo 6°, que não frustrou a vontade de todos.
A Dia, como os sobrinhos a chamavam, era a tia mais querida, maior orgulho da família, e protagonizou cena histórica ao deixar o secretário da Segurança de São Paulo, coronel Erasmo Dias, de mão suspensa no ar ao se recusar a cumprimentá--lo na noite em que a polícia que ele comandava invadiu violentamente o Tuca, o teatro da PUC, onde se realizava um encontro para retomada da UNE, em 1977.
"Não dou a mão a assassinos", disse do alto de sua digna indignação.
Era ao mesmo tempo firme e risonha, corintiana de acompanhar os passos do time e intelectual progressista, referência na área do serviço social. Mais velha de seis irmãos, foi a última a sair de cena, deixando uma história exemplar e um nome que é a melhor herança que qualquer familiar pode deixar aos que ficam -saudosos, mas orgulhosos.

blogdojuca@uol.com.br


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