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A visita do velho senhor
JOSÉ ROBERTO TORERO
da Equipe de Articulistas
Era meia-noite. Estava sozinho em casa, na frente do computador. Pensava, sem inspiração, sobre o que escrever
nesta coluna. Como as idéias
não vieram, acabou vindo o
sono; não resisti e, ali mesmo,
dei uma cochilada.
Fui acordado por uma voz
estranha e rouca. Quando abri
os olhos, vi a figura de um velho barbudo e pálido.
"São Pedro?!"
"Calma", ele disse sorrindo.
"Estou longe de ser um santo."
"Então é o demônio?"
"Também não. Sou o fantasma do barão de Itararé."
A revelação me deixou pasmo e emocionado. Emocionado porque era uma honra estar
em frente a Aparício Torelly, o
barão de Itararé, jornalista
que fez grande sucesso nas décadas de 40 e 50, época em que
publicou o satírico "A Manha".
Pasmo por sentir que a mão
dele era feita de nada e eu tinha apertado o ar.
Vendo meu embaraço, ele
explicou sua presença:
"Outro dia você estava lendo
algumas daquelas velhas bobagens que escrevi. Como é raro que alguém me leia hoje em
dia, resolvi dar um pulo para
conhecê-lo pessoalmente."
Essa frase me deixou mais
tranquilo. Ele não estava ali
para me assombrar. Tentei ser
educado e o convidei para tomar uma cerveja. Ele aceitou e
exigiu que ela estivesse bem
gelada. Enquanto bebia, eu
podia ver o líquido passar pelo
corpo de vapores e esparramar-se no chão. Lucimar, minha faxineira, ia ficar louca.
"É, meu caro", disse ele, "definitivamente o fígado faz
muito mal à bebida..."
Não sei se o leitor já esteve
diante de um fantasma. Se
não, lembre-se: aja com naturalidade e sirva-lhe uma cerveja. Ele soltou a língua e conversamos como velhos amigos.
"Pois, é, barão, eu escrevo sobre esportes."
"Sabe como defino o esporte?
Esporte é tudo aquilo que fazemos para deixar de fazer aquilo que deveríamos fazer."
"No seu tempo o esporte era
uma atividade marginal, mas
hoje ele é importante na nossa
sociedade. Os jogos são transmitidos pela TV, os jogadores
ganham fortunas..."
"E jogam como no meu tempo? Há um Zizinho, um Jair?"
"Bom...."
"Eu suspeitava: o trabalho
enobrece o homem, mas depois
que o homem se sente nobre
não quer mais trabalhar."
"Tudo bem, mas a culpa nem
sempre é dos jogadores. A última Copa, por exemplo, perdemos por causa do Zagallo..."
"Zagallo!? Aquele ponta do
Botafogo que usava cabelo escovinha e tinha medo de ir à
linha de fundo?"
"Esse mesmo. Nosso técnico."
"Se dependesse dos técnicos,
os besouros não voavam."
"Ele não armou direito o time e nós tomamos 3 a 0 da
França."
"É como sempre digo: de onde menos se espera, daí é que
não sai nada mesmo."
Depois disso, levantou-se, esticou os braços e disse:
"Hora de ir."
"Mas é cedo", respondi.
"Por isso mesmo. As visitas,
alegrias me dão. Umas quando
vêm, outras quando vão."
E então desapareceu. Corri
para o computador e escrevi
sobre o que aconteceu. Não é
todo dia que um espírito vem
ajudar minha falta de idéias.
José Roberto Torero escreve às terças e aos
sábados
E-mail: torero@uol.com.br
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