São Paulo, terça, 15 de setembro de 1998

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JUCA KFOURI
Os Rodrigues

Há Rodrigues e Rodrigues.
O verdadeiro, Nelson, certamente entenderia o que fez o outro, Washington.
O verdadeiro era Flu, o outro, Fla.
Nelson invadiria o gramado como fez o enlouquecido torcedor tricolor na manhã de domingo, na rua Bariri.
E se não invadisse, aplaudiria, dedicaria uma crônica.
"O primeiro a pular, em campo, foi o torcedor que queria esbofetear o bandeirinha apolíneo. Este podia ter corrido e não correu. E, então, o miserável deu-lhe uma bofetada de mão aberta. O pior foi o som. Em campo pequeno, ouve-se tudo."
Porque Rodrigues, o verdadeiro, achava "que sem torcedor não há futebol. E o jogador? Eu quase dizia que pode haver futebol sem jogador, mas não sem a torcida."
Pois Rodrigues, o outro, incitou a massa rubro-negra contra o árbitro que só fez cumprir a regra na derrota do Flamengo no domingo. "É verdade que o time já não é o de outros tempos. Mas a torcida também não é. Se fosse, o juiz não sairia sem que nada lhe acontecesse", declarou.
O verdadeiro Rodrigues adoraria e diria que "quem lê os nossos cronistas, toma um susto. Eles parecem viver numa sereníssima bem-aventuração. E aquele que infringir umas tantas regras, deve ser atirado aos jacarés. E o sujeito deve achar o seguinte: "os confrades vivem em outro mundo, ou são alienados da cabeça aos sapatos.'"
Rodrigues, o verdadeiro, era gênio e exaltava a transgressão, qualquer uma.
"Amigos, a disciplina é uma convenção. E qualquer convenção nasce e existe para ser violada", escreveu certa vez, numa crônica cuja título já dizia tudo, "Nós, os mortais".
Lembrar aqui que este transgressor apoiou o golpe militar de 1964 é desnecessário e talvez o tenha feito exatamente para transgredir, pois ele, que achava que a "disciplina foi feita para o soldadinho de chumbo e não para o homem", ajudou que os soldadinhos tentassem impor a disciplina mesmo à custa de torturas etc. Contradições de um gênio.
Mas Rodrigues, o verdadeiro, sempre escreveu e torceu. Jamais virou cartola, nem sócio do Flu era, tão sócio do Flu se sentira desde sempre.
O outro, não. Técnico uma vez, cartola agora, por amor ao Mengo ou por lealdade a um amigo, só tem ajudado a aprofundar a crise do clube mais querido do mundo.
E isso nem Rodrigues, o verdadeiro, perdoaria.



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