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São Paulo, sábado, 15 de novembro de 2003

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FUTEBOL

De Gagarin a Kaká

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

No Brasil, pelo menos nos grandes centros urbanos, cada vez menos gente vai aos estádios. Entretanto os novos astros do futebol atraem uma atenção cada vez maior da mídia, da publicidade e dos fãs que pouco ou nada têm a ver com o esporte.
Dou um exemplo. Em 2002, numa das passagens do São Paulo por Florianópolis, Kaká passou uma tarde inteira no maior hipermercado da ilha distribuindo autógrafos para uma multidão composta sobretudo de meninas.
Segundo circulou na imprensa local, a empresa teria pago a bagatela de R$ 30 mil de cachê ao atleta por esse trabalho extracampo.
O jogador de futebol hoje faz parte do circuito de celebridades que inclui astros da música pop, apresentadores de TV, atores, modelos e figuras que nem sabemos bem o que fazem, mas que "são alguém".
Num Festival de Cinema de Gramado, há alguns anos, vi um garoto abrir caminho a cotoveladas numa multidão até chegar diante de um rapaz que ele desconhecia e que parecia ser o centro do alvoroço. Sem saber se pedia autógrafo ou não, resolveu perguntar antes: "Você é alguém?".
O mecanismo é mais ou menos o seguinte: se tanta gente dá atenção a esse cara, eu também tenho que dar. É o que se costuma chamar de "desejo mimético".
Alguém dirá: sempre foi assim. Será que foi mesmo?
Procuro na memória as primeiras experiências de idolatria que vivi ou presenciei. Lembro que uma vez meu pai, que trabalhava numa fábrica em Osasco, tomou várias conduções para ir ao aeroporto de Congonhas ver de perto um homem: Iuri Gagarin.
Procurei em vão durante anos o livro em que meu pai recolheu o autógrafo daquele ser mítico, o primeiro homem que viu a Terra do espaço.
Meu primeiro ídolo, pelo que me lembro, tinha uma estatura bem mais modesta.
Seu nome era Olímpio, e ele jogava no Azecar, um dos times de várzea do meu bairro, a Previdência (entre o Butantã e a Vila Sônia). Não sei se era bom de bola, mas eu ficava hipnotizado com algo que ele fazia antes de o jogo começar: girava por um tempão a bola na ponta do indicador, como um artista de circo.
Só depois vieram os craques dos álbuns de figurinha e dos times de botão. Pelé era o único a ocupar largos espaços na mídia e na publicidade. Não havia a profusão de imagens que há hoje. O culto à celebridade ainda engatinhava.
Alguns anos atrás, Alcino Leite Neto, editor de Domingo da Folha, deu a meu filho um presente de valor inestimável: um pedaço de papelão com os autógrafos dos atletas da seleção brasileira de 66.
Alcino era muito pequeno na época, mas sua mãe o arrastou para o hotel da cidade mineira onde a seleção estava hospedada, na preparação para a Copa do Mundo. Para ele, não significavam nada aqueles rabiscos com os nomes de Pelé, Garrincha, Gilmar, Gérson, Tostão...
Talvez o pequeno Alcino tenha dito à mãe: "Eles são alguém?".

Valor da experiência
O Palmeiras pode selar hoje sua volta à Série A. Se isso realmente acontecer, será interessante observar o comportamento do clube no ano que vem, depois dessa temporada no purgatório. Para o bem ou para o mal, nada será como antes.

Dupla do barulho
Tudo indica que Kaká venceu Alex na disputa pela vaga de Ronaldinho na partida de amanhã, diante do Peru, pelas eliminatórias da Copa de 2006. Mas eu ainda gostaria de ver os dois jogando juntos (saindo Rivaldo). Teria tudo para dar certo, com os dois tabelando e se revezando na chegada à área do time adversário. Cada um no seu estilo: Alex fazendo o jogo fluir com seus passes, e Kaká arrancando em direção ao gol. Por que não?

E-mail jgcouto@uol.com.br


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