São Paulo, terça-feira, 15 de novembro de 2005

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BASQUETE

Pulso firme

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

"O garoto magrinho e careca entrou no vestiário e logo avisou que não pretendia jogar em Villanova. Provavelmente, disse, nem iria para a universidade. Pularia direto para a NBA.
"Eu e um colega de time achamos engraçado. Quem ele pensa que é? O que anda fumando?
"O garoto era Kobe Bryant e hoje me pergunto do que ríamos.
"Talvez do fato de que em poucos meses as partidas do moleque no colégio venderiam mais ingressos do que as nossas. Ou de que ele apareceria nas nossas festas no campus e as pessoas pensariam que ele era o anfitrião. Ou de que, em 1999, três anos mais tarde, quando eu descolei um emprego, o vestiário seria o dele.
"Eu já acompanhava Kobe e os Lakers pela TV. Mas apenas de perto entendi por que ele era tão seguro de si. Ele se exercitava muito mais do que os outros.
"Eu sempre fiz questão de ser o primeiro a chegar ao trabalho. Mas Kobe sempre dava um jeito de me superar. Eu morava a dez minutos do ginásio. Ele, a 45.
"Um dia, naquela pré-temporada, ele quebrou o punho direito. A quadra, imaginei, ficaria só para mim. Mas, para minha vergonha, na manhã seguinte lá estava ele no ginásio -um braço engessado, o outro com a bola.
"Enquanto o time se ajustava para a estréia, percebi que Kobe seguia uma rotina peculiar. Ele driblava, fintava, passava e chutava com a canhota. Parecia obcecado em reaprender tudo o que fazia com a mão direita.
"Certa manhã, ele me chamou para um duelo de arremessos.
"Fiquei insultado. Ele acreditava que podia derrotar a mim, um especialista em tiros de longa distância, e sem uma mão! A mão boa! Topei. Seria um prazer fazê-lo engolir a mania de grandeza.
"Por pouco escapei do maior vexame de minha carreira. Foi só por uma cesta que eu o venci.
"Mas o melhor veio quando ele sarou e voltou a jogar. Logo em seu primeiro lance, ele driblou e chutou com a mão esquerda. O arremesso nem aro deu. Mas isso não importava. Diante de milhares de pessoas e das câmeras de TV, ele quis provar que também podia brilhar com a canhota."
John Celestand, cigano do basquete, foi muito feliz quando blogou esse depoimento no dia 10.
Em 2004, Kobe perdeu a companhia de Shaquille O'Neal, desafeto fora das quadras mas parceiro ideal dentro delas. O estímulo de Phil Jackson, único técnico que conseguia intrigá-lo. Os patrocinadores, arredios ao vê-lo no banco dos réus, defendendo-se da acusação (mais tarde retirada) de estupro. A admiração dos fãs.
Hoje está claro que o ano passado viu um jogador de um braço só, aleijado, que encarou o torneio como um treino especial, um laboratório para testar seu arsenal enquanto o gesso agia.
Shaq, assentado na Flórida, parou de amolar. Jackson voltou. A Nike recuou. E Kobe mostra agora o resultado do ano de solidão.
Está mais confiante e espetacular do que nunca. Disparou como cestinha, com 31,8 pontos por jogo, 50% acima de sua média. Refez-se da fratura, mas não descerrou os punhos. Procura queixos. Os do basquete estão caídos.

Pegada
Poucos dias antes da estréia, Alex (New Orleans) e Lucas Tischer (Phoenix) foram dispensados. Nenê (Denver) arrebentou o joelho dois minutos depois de pisar na quadra, uma contusão que vai lhe custar um ano e, provavelmente, mais de US$ 30 milhões no próximo contrato. Anderson Varejão ainda se recupera da cirurgia no ombro e só deve retornar ao Cleveland em fevereiro. O valente Baby, figurante no Toronto, virou alvo das frustrações da torcida -é vaiado toda vez que pega na bola. Mas Leandrinho tem compensado todos os infortúnios da comunidade brasileira. O Phoenix finalmente descobriu a vocação dele para o contra-ataque e o chute rápido. Com médias de 15,3 pontos por jogo (o dobro dos primeiros anos) e de 0,63 ponto por minuto (a 14ª mais alta do torneio), o armador é uma das grandes revelações do primeiro mês de NBA.


E-mail: melk@uol.com.br

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