São Paulo, terça-feira, 15 de novembro de 2005

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FUTEBOL

Chuteira branca, amor

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

Tempos atrás, um leitor escreveu (uma carta!) reclamando dos jogadores de cabelos longos. Acha feio e anti-higiênico; não se conforma que os clubes não mandem tosar as madeixas. Meu marido, que já teve cabelo até a cintura quando tocava heavy metal, não liga para o comprimento; só torce o nariz para chuquinhas e outras invenções. Mas o que ele não suporta mesmo é chuteira branca -"quem o cara pensa que é?". Só perdoa se for "um Ronaldo". Perdoa.
Meu marido, que nasceu depois do Tri, não tem idade para ser um nostálgico com PhD, mas acha que antigamente não tinha nada "dessas bobeiras". Ledo engano...
Achei esta crônica na ótima coletânea "Boa Companhia", da Cia. das Letras: "Se a gente folhear os velhos álbuns, há de chegar a conclusões interessantes a respeito da evolução da moda em futebol. Porque o futebol obedece, também, aos ditames da moda. Tem os seus dândis, os seus ditadores de bom-tom". O autor fala, então, em camisas de lã, de seda, linho e cetim, e observa: "Hoje a moda é a camisa de malha".
A parte dos calçados é a que me interessa: "A Casa Clark anunciava botinas para futebol. Eram botinas pesadas, de bico quadrado, chapeadas. Boas para chutes fortes, então os chutes preferidos pela torcida e pelo jogador. Não se "descobrira" ainda o chute seco -o chute de um Nilo, com o pé de moça e chuteira macia como luva. Em 1912, Belfort Duarte mandou fazer chuteiras especiais. As chuteiras perderam o aspecto agressivo, famigerado, e tomaram o ar que poderia ser classificado de esportivo. (...) Mais tarde uma casa qualquer anunciou chuteiras Marcos. As chuteiras tomavam os nomes dos craques. (...) "Eu quero uma chuteira à Nery". Calçá-las era estar na moda. Como foi moda calçar chuteiras brancas e pretas. Com bico estufado. Com amortecedores. E as chuteiras brancas? Quando houve um furor pelos sapatos vermelhos de mulher, salto Luis XV, Fortes deu uma demonstração de bom gosto, entrando em campo com chuteiras vermelhas.
Foi Mario Filho quem escreveu "O futebol e a moda", em junho de 57. Mesmo com fina ironia, ele me pareceu simpático aos jogadores que procuravam "dialogar" (ele jamais usaria esse termo...) com as tendências de comportamento da sociedade em geral. Que se preocupavam com a aparência, um certo "marketing", e não apenas com o desempenho esportivo. A dúvida é saber se ele entenderia os atuais padrões de beleza, inaceitáveis para boa parte do público. Cabelos descoloridos, trancinhas, cabeças raspadas com desenhos geométricos fazem parte dos códigos de jogadores e também funkeiros, pagodeiros, rappers e outras celebridades surgidas nos bairros pobres.
Hoje parece a muitos "um horror", sinais dos tempos. Daqui a algumas décadas, talvez causem a nostalgia que hoje é despertada pelo modelo "malandro às antigas", com bigodinho cafajeste, terno e sapatos brancos, que um dia já pareceu aos mais velhos o cúmulo do mau gosto.

A César
O título desta coluna foi sugerido pelo Melk, editor deste caderno, em almoço com os colegas colunistas. Apesar de infame, combinava com o tom de nostalgia. E, aproveitando para responder a todos que perguntam, a Folha não interfere no conteúdo das colunas. Aceitei a sugestão porque quis, e é capaz de ele querer me matar agora.

Ao Ratinho
Esse Eduardo, lateral do Corinthians, foi um achado. Fala-se menos dele do que ele merece.

Ao Cúmulo
Ter um amistoso reprovado pela Fifa foi o auge da incompetência da CBF na administração de seu "produto", a seleção brasileira. E ela diz que vai tentar de novo.


E-mail: soninha.folha@uol.com.br

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