São Paulo, sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

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XICO SÁ

Um Gre-Nal fora do eixo do sol


O Barcelona x Internacional de domingo ganha certa graça por ser um Gre-Nal do outro lado do mundo


AMIGO TORCEDOR, amigo secador, óbvio que é melhor do que aquela Copa Toyota que clubes brasileiros lustram orgulhosamente como reluzentes troféus de donos do planeta -cada um com seus auto-enganos!-, mas essa lenda de campeão mundial, cá entre nós, num vale meio título do Jabaquara, o Jabuca do doutor Ruiz, ou do Galícia, para ficar em dois dos nossos gloriosos esquadrões das colônias espanholas de santistas e de soteropolitanos.
O jogo de domingo ganha uma certa graça por ser, antes de tudo e no coração dos gaúchos, um Gre-Nal fora do eixo do sol, do outro lado do mundo. Para qualquer torcedor colorado, esteja onde estiver, Ronaldinho sempre estará vestido com o manto do Grêmio.
O gremista, ainda com aquele bafo do amigo punk da Graforréia Xilarmônica, vai acordar mais cedo pelo mesmo motivo, para torcer bebendo vinho, como na genial versão ludopédica do Wander Wildner. E nem é caso de secar, é torcer mesmo. No Olímpico ou em Tóquio, Ronaldinho é o Grêmio, o Dunga, uma das suas vítimas mais emblemáticas, que o diga.
O jogo tem importância tão-somente por esse regionalismo, porque a água do rio da nossa aldeia é o melhor dos uísques envelhecidos, é vinho alentejano, fados engarrafados, cerveja de confraria, cachaça de alambique de família, aquela que nos faz lamber os beiços da existência e fazer da queda apenas um treino para estar mais lúcidos.
Porque um Gre-Nal, esteja o Grêmio de azul, preto e branco ou metido em vestes grenás, é sempre um novo Romeu & Julieta, Capuletos x Montecchios em um crepúsculo trágico à beira do Guaíba, ali sempre se morre um pouco, e a multidão sepultará sob a grama os fantasmas que não seriam enterrados em cem anos de cartomantes ou divãs.
Um Gre-Nal mexe com as leis do cosmo como a lua cheia assanha o desejo das fêmeas, sejam elas mulheres, cabras ou lobas. Como no livro do gremista Michel Laub, "O Segundo Tempo", cujo personagem é o clássico como paisagem para as grandes viradas da vida, as redefinições dos laços de família, aqueles momentos inesquecíveis que vamos sempre associar a um jogo, porque o nosso calendário afetivo, nossas bolas dentro, nossas bolas fora, corre junto com as tabelas dos campeonatos, como os rios correm aos olhos de infâncias e angústias.
Não fosse um Gre-Nal, o jogo estaria ganho de véspera, daria Barcelona, um time que joga em círculos, como danças populares, me sopra aqui, no "Arena Sportv", que vejo agora, o Alberto Helena Júnior, esse cara para quem eu bato palmas, pois conhece o futebol como dramaturgia da vida. Como se trata de um Gre-Nal com rotação do sol alterada, tudo pode acontecer no embate.
Se não fosse contra o Internacional, bem sabemos, Ronaldinho nem teria estímulo, os europeus nunca ligaram para essas taças pré-natais disputadas em Tóquio. Estranhamente nós, os donos do mundo da bola, achamos que precisamos ganhar essas coisas. O melhor time a cada ano não carece comer os sashimis da humildade. Sabe-se muito antes, fácil, fácil. Mesmo que leve de quatro, o Barça é o melhor, ponto.
Assim como o Santos de Almir Pernambuquinho, como lembrou ontem o Torero, o Mengo de Nunes, o Grêmio de Renato Gaúcho, o São Paulo espírita do Müller...
Vão para o Japão porque querem, não carecem, puro simbolismo, mas há quem diga que os símbolos governam o mundo. Todo respeito, mas com os devidos descontos, óbvio, que não me iludo com esses tratados de grandezas.

xico.folha@uol.com.br


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