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FUTEBOL
Zé Cabala e o signior Tristezza
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Quando cheguei à casa de
Zé Cabala, vi que ele e Gulliver estavam na garagem, mexendo em seu carro.
- Consertando vosso automóvel, ó grande filtro de almas, ó soberbo transmissor de mensagens
do além, ó acelerador do conhecimento e freio das vaidades?
- É. Esse carro deu para engasgar. Como é que pode?!
- É um Fusca 66?
- 65. Mas diga lá, quem você
quer entrevistar?, perguntou-me
o sobrenatural mecânico enquanto limpava as mãos no turbante.
- Hoje gostaria de falar com o
grande Julinho.
Zé Cabala voltou a enfiar a cara
no motor, de onde voltou com os
cabelos banhados de graxa e um
bigodinho ralo que parecia ter sido feito com um dedo sujo de
óleo. Entendi que aquilo era o sinal e comecei a entrevista. Primeiro, quis saber como ele se sentia no outro lado do mistério:
- É quase tão bom quanto a
Penha.
- Como foi para um rapaz da
periferia paulistana jogar a Copa
de 1954?
- Não foi nada de mais. Até
gols eu fiz: um na estréia contra o
México, e outro naquela fatídica
derrota para a Hungria.
- Daí foi para a Fiorentina?
- Sim, e também fiz sucesso
por lá. Porém, quando meu pai
morreu, já não conseguia jogar
com o mesmo entusiasmo. Nessa
época, inclusive, os italianos me
puseram um apelido: Signior
Tristezza. Felizmente o Palmeiras
me trouxe de volta.
- O senhor tem presença obrigatória na lista dos melhores atacantes da história do time.
- Isso me deixa muito honrado. Joguei no Palmeiras por 11
anos e foi ali que obtive a maior
parte dos meus títulos, como o Supercampeonato Paulista de 1959
(três jogos duríssimos contra o
Santos de Pelé), a Taça Brasil e o
Robertão de 1967, quando já estava pendurando as chuteiras.
- Nunca foi expulso?
- Não, não. Eu era pago para
jogar.
- É verdade que o senhor foi
sondado para jogar a Copa de
1958, mas, como estava na Fiorentina, achou que seria injusto
tirar a vaga de alguém que atuava no Brasil?
- Fui criado com aqueles valores, o que posso fazer? Sei que continuei bem onde estava, e o Brasil
não se arrependeu nem um pouco
da convocação de Garrincha.
- Garrincha que, aliás, está ligado ao fato mais famoso da sua
carreira.
- Sim. Foi no dia 13 de maio de
1959. Entrei no lugar dele num
amistoso contra a Inglaterra, no
Maracanã, e o estádio me vaiou.
Assim que toquei na bola, porém,
senti que ia fazer uma grande
partida. Entortei os ingleses, fiz
um gol, dei o passe para o outro e
saí de campo aplaudido de pé.
- Parece que há uma lição de
vida aí.
- Pode ser, mas isso eu deixo
para as pessoas inteligentes. Eu
era só o Julinho da Penha. Gostava de jogar bola e nada mais.
Após a frase, Zé Cabala deu rodopio e, já dono de si, virou-se para mim e disse: "Hoje aceito o pagamento em vale-transporte".
U
Umberto, que era chamado de
Um pelos amigos, não era um,
era vários. Já nos anos 20, revelou-se um autêntico curinga.
Jogava em qualquer posição, do
gol à ponta-esquerda, passando
pela defesa e pelo meio-campo.
Mas essa qualidade não veio do
berço. Veio, digamos, da cama.
Ou melhor, das camas. Grande
conquistador, Umberto percebeu que havia mulheres que se
encantavam pela segurança dos
arqueiros, outras que suspiravam pela virilidade dos zagueiros, outras que se apaixonavam pela habilidade dos meias, outras que arfavam ao ver um
avante saltando para cabecear e
outras que perdiam a respiração pela velocidade dos pontas.
Para conquistar todas elas,
aprendeu a jogar em todas as
posições. Foi o primeiro polivalente da história do futebol.
E-mail torero@uol.com.br
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