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São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 2003

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FUTEBOL

Zé Cabala e o signior Tristezza

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Quando cheguei à casa de Zé Cabala, vi que ele e Gulliver estavam na garagem, mexendo em seu carro.
- Consertando vosso automóvel, ó grande filtro de almas, ó soberbo transmissor de mensagens do além, ó acelerador do conhecimento e freio das vaidades?
- É. Esse carro deu para engasgar. Como é que pode?!
- É um Fusca 66?
- 65. Mas diga lá, quem você quer entrevistar?, perguntou-me o sobrenatural mecânico enquanto limpava as mãos no turbante.
- Hoje gostaria de falar com o grande Julinho.
Zé Cabala voltou a enfiar a cara no motor, de onde voltou com os cabelos banhados de graxa e um bigodinho ralo que parecia ter sido feito com um dedo sujo de óleo. Entendi que aquilo era o sinal e comecei a entrevista. Primeiro, quis saber como ele se sentia no outro lado do mistério:
- É quase tão bom quanto a Penha.
- Como foi para um rapaz da periferia paulistana jogar a Copa de 1954?
- Não foi nada de mais. Até gols eu fiz: um na estréia contra o México, e outro naquela fatídica derrota para a Hungria.
- Daí foi para a Fiorentina?
- Sim, e também fiz sucesso por lá. Porém, quando meu pai morreu, já não conseguia jogar com o mesmo entusiasmo. Nessa época, inclusive, os italianos me puseram um apelido: Signior Tristezza. Felizmente o Palmeiras me trouxe de volta.
- O senhor tem presença obrigatória na lista dos melhores atacantes da história do time.
- Isso me deixa muito honrado. Joguei no Palmeiras por 11 anos e foi ali que obtive a maior parte dos meus títulos, como o Supercampeonato Paulista de 1959 (três jogos duríssimos contra o Santos de Pelé), a Taça Brasil e o Robertão de 1967, quando já estava pendurando as chuteiras.
- Nunca foi expulso?
- Não, não. Eu era pago para jogar.
- É verdade que o senhor foi sondado para jogar a Copa de 1958, mas, como estava na Fiorentina, achou que seria injusto tirar a vaga de alguém que atuava no Brasil?
- Fui criado com aqueles valores, o que posso fazer? Sei que continuei bem onde estava, e o Brasil não se arrependeu nem um pouco da convocação de Garrincha.
- Garrincha que, aliás, está ligado ao fato mais famoso da sua carreira.
- Sim. Foi no dia 13 de maio de 1959. Entrei no lugar dele num amistoso contra a Inglaterra, no Maracanã, e o estádio me vaiou. Assim que toquei na bola, porém, senti que ia fazer uma grande partida. Entortei os ingleses, fiz um gol, dei o passe para o outro e saí de campo aplaudido de pé.
- Parece que há uma lição de vida aí.
- Pode ser, mas isso eu deixo para as pessoas inteligentes. Eu era só o Julinho da Penha. Gostava de jogar bola e nada mais.
Após a frase, Zé Cabala deu rodopio e, já dono de si, virou-se para mim e disse: "Hoje aceito o pagamento em vale-transporte".

U
Umberto, que era chamado de Um pelos amigos, não era um, era vários. Já nos anos 20, revelou-se um autêntico curinga. Jogava em qualquer posição, do gol à ponta-esquerda, passando pela defesa e pelo meio-campo. Mas essa qualidade não veio do berço. Veio, digamos, da cama. Ou melhor, das camas. Grande conquistador, Umberto percebeu que havia mulheres que se encantavam pela segurança dos arqueiros, outras que suspiravam pela virilidade dos zagueiros, outras que se apaixonavam pela habilidade dos meias, outras que arfavam ao ver um avante saltando para cabecear e outras que perdiam a respiração pela velocidade dos pontas. Para conquistar todas elas, aprendeu a jogar em todas as posições. Foi o primeiro polivalente da história do futebol.

E-mail torero@uol.com.br


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