São Paulo, domingo, 16 de maio de 2004

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Após pena por uso de substâncias proibidas, sobreviventes vêem chance de redenção na medalha olímpica

Atletas tentam aplacar cicatriz do doping

GUILHERME ROSEGUINI
MARIANA LAJOLO
DA REPORTAGEM LOCAL

O tempo ajuda, mas não apaga todos os vestígios. O carimbo de positivo no teste antidoping vira uma cicatriz. Não há como fugir.
Voltar a competir após a punição e recuperar o status perdido não é tarefa fácil. Mas, para muitos atletas, o retorno diminui a mancha deixada no currículo pelo uso de substâncias proibidas.
A nadadora Claudia Poll acaba de dar o passo inicial dessa jornada. Seu plano para chegar ao pódio na terceira Olimpíada consecutiva foi interrompido em 2002.
Às 7h do dia 23 de fevereiro, a costarriquenha recebeu a visita de um médico que requeria uma amostra de urina. Era o teste batizado "fora de competição".
O resultado apontou a presença de nandrolona, que aumenta a força e a potência muscular. Poll pegou dois anos de suspensão.
"Foi um período ruim. Você tem a impressão que vai passar a vida toda sofrendo", conta a atleta, ouro em Atlanta-1996 e bronze em Sydney-2000 nos 200 m livre.
Em abril, escolheu o Nacional da França para retomar a estrada. Ficou em terceiro nos 400 m livre e já avisou que vai a Atenas. "Só não pensei em desistir, pois tenho consciência que sou inocente."
Exaltar a inocência, aliás, é um dos métodos mais utilizados por quem vive essa experiência.
"Como o doping é invariavelmente fruto de pressões externas, com a dos patrocinadores, o atleta encontra uma justificativa. Eles pensam na linha "usei, mas fui coagido. Logo, não tive culpa'", explica Luis Scipião, doutor e livre docente em psicofisiologia.
O alemão Dieter Baumann, flagrado em 1999, por exemplo, diz que seu caso foi político: "Me puniram só para servir de exemplo".
Ouro em Barcelona-1992 nos 5.000 m, ele voltou às pistas em 2002, aos 37 anos. No ano passado, anunciou a aposentadoria.
Mas negar o uso da droga nem sempre é a melhor forma de aplacar as pressões. Giba, astro da seleção de vôlei, testou positivo para maconha no ano passado. O chamado doping social rendeu-lhe dois meses de punição e abalou sua imagem de "bom moço".
Giba assumiu o "erro" e tentou se transformar em exemplo.
"Quando o atleta é pego no doping, você tem que mostrar que um dia ele vai voltar. Foi punido pelo erro, cumpriu a pena, deu o seu exemplo e deve seguir de cabeça erguida", afirma Kiko Pereira, técnico do judoca João Derly.
Seu pupilo passou pelo mesmo drama em 2002. Aos 20 anos, foi pego usando diuréticos. Derly não conseguia se manter com 60kg (limite da categoria ligeiro). Amargou seis meses parado.
"Eu cheguei a pensar em não continuar", afirma o judoca.
Superado o trauma, ele voltou ao tatame e conseguiu se adaptar à nova categoria (até 66 kg).
Após dois meses de briga na Justiça, Derly entrou no tatame, mas perdeu a vaga olímpica.
Para esses esportistas, lidar com a frustração de ver os rivais superando seus feitos é quase tão angustiante quanto conviver com a marca deixada pelo teste positivo.
"O desafio do atleta é achar uma nova forma de preencher o vazio que o doping deixou. Ele precisa fortalecer a auto-estima e ganhar muita confiança", relata Scipião.
Poll encontrou apoio na religião. "Deus está com seus filhos que dizem a verdade. Coloquei tudo nas mãos dele", declara.
Outros atletas escolhem expor seus dramas para lidar com eles. "Escrevi um livro sobre isso [o doping] para melhorar minha condição mental", diz Baumann.
Alguns calam, como Elisângela Adriano, flagrada em 1999. A brasileira, que já tem índice no arremesso de peso, não fala mais sobre doping. É o caminho que escolheu para esquecê-lo.
O desafio final é talvez o mais complicado. Nos primeiros torneios após a suspensão, os esportistas precisam afrontar o preconceito dos rivais e as dúvidas quanto à eficácia da recuperação. "Só o tempo e os resultados vão diminuir a pressão", conta Scipião.
A Olimpíada de Atenas, em agosto, pode consagrar algumas dessas histórias. Atletas como Poll e Elisângela levam o currículo borrado pelo doping. Mas sabem que uma medalha pode cobrir parte da mancha.


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