São Paulo, domingo, 16 de julho de 2000


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"Domingo é que dia mesmo?", diz Zizinho

DA REPORTAGEM LOCAL

Há 50 anos, todo mês de julho, Thomaz Soares da Silva, o Zizinho, melhor jogador da Copa de 50, ouve o seu telefone tocar o dia inteiro.
Só atende amigos e parentes, por intermédio de um código que criou para filtrar as chamadas.
Não aguenta mais responder as mesmas perguntas. É a mesma impaciência que quase o levou, como revela na entrevista a seguir, a abandonar a concentração da seleção às vésperas das finais daquele Mundial.
Morando em Niterói, completamente lúcido aos 78 anos, aposentado como fiscal de renda do Estado do Rio, Zizinho curte a vida.
"Sou do samba. Vou ao samba toda semana, com uma turma da pesada." (FÁBIO VICTOR)

Folha - Você mantém contato com os jogadores do Brasil da Copa de 50?
Zizinho -
As pessoas estão muito distantes. Não pertenço a grupo nenhum. Quando os uruguaios vêm aqui procuro estar com eles, porque quando vou lá eles me recebem bem.

Folha - Parece que você tem com os uruguaios uma relação melhor do que com os brasileiros...
Zizinho -
É melhor, porque aqui a gente não pode conversar outra coisa senão a derrota do Brasil. Infelizmente. Mas é a imprensa brasileira que mantém essas coisas, porque, para nós, isso acabou.

Folha - Com quem você tem maior ligação?
Zizinho -
O Obdulio era muito ligado a mim e ao Ademir, o Gambetta também. Quando vinham ao Brasil, não gostavam de ficar em hotel, pediam ao Ademir para arranjar um apartamento. Gostavam de bagunça, de ir a shows, cantar. Mas perdemos o Obdulio, o Gambetta, a coisa ficou braba.

Folha - É verdade que todo o resto do time é brigado com o Juvenal?
Zizinho -
Nunca brigamos. As pessoas inventam muita lenda. Há 50 anos ligam para a gente perguntando as mesmas coisas. Isso é a morte. O Barbosa reclamava que o haviam condenado a uma pena perpétua, mas não é só ele. Somos todos nós, é como se fosse uma sentença de morte.

Folha - O que mais o perturba?
Zizinho -
A imprensa é que me incomoda. Será que não notam que estão sendo chatos, fazendo com que a gente responda as mesmas perguntas há 50 anos?

Folha - É que vocês acabaram entrando para a história do Brasil...
Zizinho -
Entramos, mas pela porta do inferno.
E aquela foi uma derrota como outra qualquer. Há dois anos (na final da Copa-98), perdemos de um jeito burro, fazendo um bando de bobagens, mas passa um ano e ninguém fala mais. O Brasil é um festival de besteiras há anos e anos e anos. E só nós que pagamos por isso?

Folha - O que você acha do trabalho do Luxemburgo?
Zizinho -
Acho que a única falha que ele teve foi ter aceitado (o cargo de técnico). Porque não é ele quem escala. Essa firma que patrocina o Brasil (Nike) não escala o time? Como é que ele permite isso? Esse é um país de vendidos mesmo. E só nós pagamos isso. Eles deveriam ser presos.

Folha - Daquela derrota, o que marca você ainda hoje?
Zizinho -
Nós sabíamos que teríamos um osso duro pela frente, mas ninguém pôde pensar no jogo. O Uruguai era melhor que nós, mas ninguém conseguiu se concentrar em nada. Era político a toda hora. Não tivemos um minuto de sossego. Tive vontade de ir embora. Não fui para não ser eliminado do futebol, porque estava com o saco cheio daquilo.

Folha - Você ainda pensa muito naquele jogo?
Zizinho -
Nem tomo conhecimento daquilo, somente no mês de julho. Aquilo ali passou para mim uma semana depois.

Folha - Você acha que essa história é eterna?
Zizinho -
É, não vai acabar. E sabe por quê? Qual é a sua idade?

Folha - 28.
Zizinho -
Pois é. Isso faz 50 anos e você está me perguntando tudo em detalhes. Depois seu filho vai ler o que você escreveu...

Folha - E no domingo (hoje), o que você vai fazer?
Zizinho -
Domingo é que dia mesmo?

Folha - Dia 16 de julho, 50 anos da final da Copa de 50.
Zizinho -
Não me diz nada. Vou fugir desse negócio para não ter que ficar respondendo a essas perguntas.


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