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"Domingo é que
dia mesmo?",
diz Zizinho
DA REPORTAGEM LOCAL
Há 50 anos, todo mês de julho,
Thomaz Soares da Silva, o Zizinho, melhor jogador da Copa de
50, ouve o seu telefone tocar o dia
inteiro.
Só atende amigos e parentes,
por intermédio de um código que
criou para filtrar as chamadas.
Não aguenta mais responder as
mesmas perguntas. É a mesma
impaciência que quase o levou,
como revela na entrevista a seguir, a abandonar a concentração
da seleção às vésperas das finais
daquele Mundial.
Morando em Niterói, completamente lúcido aos 78 anos, aposentado como fiscal de renda do Estado do Rio, Zizinho curte a vida.
"Sou do samba. Vou ao samba
toda semana, com uma turma da
pesada."
(FÁBIO VICTOR)
Folha - Você mantém contato
com os jogadores do Brasil da Copa
de 50?
Zizinho - As pessoas estão muito
distantes. Não pertenço a grupo
nenhum. Quando os uruguaios
vêm aqui procuro estar com eles,
porque quando vou lá eles me recebem bem.
Folha - Parece que você tem com
os uruguaios uma relação melhor
do que com os brasileiros...
Zizinho - É melhor, porque aqui
a gente não pode conversar outra
coisa senão a derrota do Brasil.
Infelizmente. Mas é a imprensa
brasileira que mantém essas coisas, porque, para nós, isso acabou.
Folha - Com quem você tem maior
ligação?
Zizinho - O Obdulio era muito ligado a mim e ao Ademir, o Gambetta também. Quando vinham
ao Brasil, não gostavam de ficar
em hotel, pediam ao Ademir para
arranjar um apartamento. Gostavam de bagunça, de ir a shows,
cantar. Mas perdemos o Obdulio,
o Gambetta, a coisa ficou braba.
Folha - É verdade que todo o resto
do time é brigado com o Juvenal?
Zizinho - Nunca brigamos. As
pessoas inventam muita lenda.
Há 50 anos ligam para a gente
perguntando as mesmas coisas.
Isso é a morte. O Barbosa reclamava que o haviam condenado a
uma pena perpétua, mas não é só
ele. Somos todos nós, é como se
fosse uma sentença de morte.
Folha - O que mais o perturba?
Zizinho - A imprensa é que me
incomoda. Será que não notam
que estão sendo chatos, fazendo
com que a gente responda as mesmas perguntas há 50 anos?
Folha - É que vocês acabaram entrando para a história do Brasil...
Zizinho - Entramos, mas pela
porta do inferno.
E aquela foi uma derrota como
outra qualquer. Há dois anos (na
final da Copa-98), perdemos de
um jeito burro, fazendo um bando de bobagens, mas passa um
ano e ninguém fala mais. O Brasil
é um festival de besteiras há anos
e anos e anos. E só nós que pagamos por isso?
Folha - O que você acha do trabalho do Luxemburgo?
Zizinho - Acho que a única falha
que ele teve foi ter aceitado (o cargo de técnico). Porque não é ele
quem escala. Essa firma que patrocina o Brasil (Nike) não escala
o time? Como é que ele permite isso? Esse é um país de vendidos
mesmo. E só nós pagamos isso.
Eles deveriam ser presos.
Folha - Daquela derrota, o que
marca você ainda hoje?
Zizinho - Nós sabíamos que teríamos um osso duro pela frente,
mas ninguém pôde pensar no jogo. O Uruguai era melhor que
nós, mas ninguém conseguiu se
concentrar em nada. Era político
a toda hora. Não tivemos um minuto de sossego. Tive vontade de
ir embora. Não fui para não ser
eliminado do futebol, porque estava com o saco cheio daquilo.
Folha - Você ainda pensa muito
naquele jogo?
Zizinho - Nem tomo conhecimento daquilo, somente no mês
de julho. Aquilo ali passou para
mim uma semana depois.
Folha - Você acha que essa história é eterna?
Zizinho - É, não vai acabar. E sabe por quê? Qual é a sua idade?
Folha - 28.
Zizinho - Pois é. Isso faz 50 anos e
você está me perguntando tudo
em detalhes. Depois seu filho vai
ler o que você escreveu...
Folha - E no domingo (hoje), o
que você vai fazer?
Zizinho - Domingo é que dia mesmo?
Folha - Dia 16 de julho, 50 anos da
final da Copa de 50.
Zizinho - Não me diz nada. Vou
fugir desse negócio para não ter
que ficar respondendo a essas
perguntas.
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