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ANÁLISE
Eletricidade no ar e no campo
JOSÉ GERALDO COUTO
ENVIADO A PORTO ALEGRE
O chão literalmente tremeu
quando o Brasil entrou em
campo para enfrentar o Paraguai, ontem, em Porto Alegre.
Até um pássaro desavisado que
porventura estivesse sobrevoando
o estádio Olímpico naquele momento saberia que estava para
ocorrer ali um evento épico, bem
ao gosto daquele povo habituado
às guerras e revoluções.
A força dessa tradição guerreira, misturada à carga dramática
que o futebol adquire no Brasil
em momentos de crise, fizeram
esquecer o prosaísmo essencial da
partida (era, afinal, apenas um
jogo do meio das eliminatórias,
contra um adversário mediano,
desfalcado de meio time).
Mas o que são os fatos comezinhos diante do mito? Para os 50
mil torcedores que lotaram o
Olímpico, Tinga era a versão negra do deus Marte, e Roberto Carlos era o veloz Mercúrio, com o logotipo da Nike fazendo as vezes
das asinhas de seus pés.
O único perigo, para o Brasil,
era toda essa eletricidade emitida
pela arquibancada converter-se,
ao chegar no campo, em ansiedade e nervosismo. Para felicidade
geral da nação, o gol brasileiro
nos primeiros cinco minutos.
Além de aliviar a tensão, o gol
parecia confirmar o acerto da intuição de Felipão ao escalar Marcelinho em vez de Leonardo. Já
que falamos em eletricidade, é como se o primeiro jogasse na voltagem 220, e o segundo, na 110.
Depois do gol, o Brasil pouco
fez. Deixou de lado a marcação
por pressão e permitiu algumas
estocadas do Paraguai. No segundo tempo, o Paraguai voltou com
tudo, e o Brasil se encolheu mais.
Os nossos defeitos ficaram mais
visíveis: insegurança e indecisão
entre os três zagueiros; ineficiência de Roque Júnior como líbero;
falta de criatividade do meio-de-campo; previsibilidade das jogadas de ataque, mitigada apenas
em parte pelas trocas de posição
entre Marcelinho e Rivaldo.
Resultado: o Paraguai chegou
com perigo pelo menos três vezes,
e a torcida começou mostrar insatisfação. Aos dez minutos, pedia
Denílson. A vitória já não bastava, clamava-se por bom futebol.
Era como se os torcedores dissessem, como os Titãs: "A gente
não quer só comida, a gente quer
comida, diversão e arte".
Felipão afagou com uma mão e
apedrejou com a outra: para colocar Denílson, tirou Marcelinho,
um dos xodós da torcida gremista, e ouviu um coro de "burro".
Minutos depois, Denílson deu
um gol a Rivaldo, e os gaúchos
voltaram a ser apenas brasileiros.
Foi uma jogada tão linda que tive
vontade de dizer, como Nelson
Rodrigues dizia de Garrincha:
"Os que negam Denílson têm a
aridez de três desertos".
Depois disso, o jogo ficou catimbado e confuso de parte a parte.
Emoção só quando Marcos quase
deu um gol aos paraguaios.
Assistir à jornada de ontem no
Olímpico foi uma dessas experiências que nos fazem perguntar
o que é, afinal, ser brasileiro.
Pois é intrigante esse nacionalismo no Estado que mais lutou,
ao longo da história, para se separar do país. E mais ainda na cidade que há mais de uma década é
símbolo de oposição ao governo
sediado em Brasília. As "correntes pra frente" já não são sinônimo de adesão aos donos do poder.
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