São Paulo, quinta-feira, 16 de agosto de 2001

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ANÁLISE

Eletricidade no ar e no campo

JOSÉ GERALDO COUTO
ENVIADO A PORTO ALEGRE

O chão literalmente tremeu quando o Brasil entrou em campo para enfrentar o Paraguai, ontem, em Porto Alegre.
Até um pássaro desavisado que porventura estivesse sobrevoando o estádio Olímpico naquele momento saberia que estava para ocorrer ali um evento épico, bem ao gosto daquele povo habituado às guerras e revoluções.
A força dessa tradição guerreira, misturada à carga dramática que o futebol adquire no Brasil em momentos de crise, fizeram esquecer o prosaísmo essencial da partida (era, afinal, apenas um jogo do meio das eliminatórias, contra um adversário mediano, desfalcado de meio time).
Mas o que são os fatos comezinhos diante do mito? Para os 50 mil torcedores que lotaram o Olímpico, Tinga era a versão negra do deus Marte, e Roberto Carlos era o veloz Mercúrio, com o logotipo da Nike fazendo as vezes das asinhas de seus pés.
O único perigo, para o Brasil, era toda essa eletricidade emitida pela arquibancada converter-se, ao chegar no campo, em ansiedade e nervosismo. Para felicidade geral da nação, o gol brasileiro nos primeiros cinco minutos.
Além de aliviar a tensão, o gol parecia confirmar o acerto da intuição de Felipão ao escalar Marcelinho em vez de Leonardo. Já que falamos em eletricidade, é como se o primeiro jogasse na voltagem 220, e o segundo, na 110.
Depois do gol, o Brasil pouco fez. Deixou de lado a marcação por pressão e permitiu algumas estocadas do Paraguai. No segundo tempo, o Paraguai voltou com tudo, e o Brasil se encolheu mais.
Os nossos defeitos ficaram mais visíveis: insegurança e indecisão entre os três zagueiros; ineficiência de Roque Júnior como líbero; falta de criatividade do meio-de-campo; previsibilidade das jogadas de ataque, mitigada apenas em parte pelas trocas de posição entre Marcelinho e Rivaldo.
Resultado: o Paraguai chegou com perigo pelo menos três vezes, e a torcida começou mostrar insatisfação. Aos dez minutos, pedia Denílson. A vitória já não bastava, clamava-se por bom futebol.
Era como se os torcedores dissessem, como os Titãs: "A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte".
Felipão afagou com uma mão e apedrejou com a outra: para colocar Denílson, tirou Marcelinho, um dos xodós da torcida gremista, e ouviu um coro de "burro".
Minutos depois, Denílson deu um gol a Rivaldo, e os gaúchos voltaram a ser apenas brasileiros. Foi uma jogada tão linda que tive vontade de dizer, como Nelson Rodrigues dizia de Garrincha: "Os que negam Denílson têm a aridez de três desertos".
Depois disso, o jogo ficou catimbado e confuso de parte a parte. Emoção só quando Marcos quase deu um gol aos paraguaios.
Assistir à jornada de ontem no Olímpico foi uma dessas experiências que nos fazem perguntar o que é, afinal, ser brasileiro.
Pois é intrigante esse nacionalismo no Estado que mais lutou, ao longo da história, para se separar do país. E mais ainda na cidade que há mais de uma década é símbolo de oposição ao governo sediado em Brasília. As "correntes pra frente" já não são sinônimo de adesão aos donos do poder.



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