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TOSTÃO
Linear e tecnicamente correto
Progressivamente, o futebol torna-se um jogo de passes curtos, para o lado, previsíveis e tecnicamente corretos
APRENDI na medicina, mais como médico e professor do que
como aluno, que não se deve
transportar o que está escrito nos livros para todos os pacientes.
Os sintomas do doente, que são só
dele, é que devem ser comparados
com o que está nos livros. Dois pacientes com a mesma doença são diferentes. O doente é que tem de ser
tratado, e não a doença.
O mesmo ocorre no futebol e na
vida. Cada jogo tem sua história, como diz o antigo e correto lugar-comum. Cada experiência vivida nunca é idêntica à outra.
Uma das características da neurose é a dificuldade de viver, de construir uma nova história. Repetir é
muito mais fácil e mais seguro. Somos todos neuróticos. Uns mais, outros menos.
O sonho de muitos treinadores é
fazer do futebol, cada vez mais, um
esporte técnico, científico, neurótico, medido, calculado e programado
em um computador. As surpresas,
as observações subjetivas e o imponderável teriam a mínima importância. Tudo isso já acontece e é cada
vez mais frequente.
Progressivamente, o futebol se
torna um jogo programado, de passes curtos, para os lados, lineares e
tecnicamente corretos. Os dribles
surpreendentes e desconcertantes,
de todos os tipos, estão desaparecendo, além dos passes de curva, de
rosca e de trivela.
Os passes de curva não são apenas
bonitos. São eficientes e essenciais.
É a única maneira de fazer a bola
contornar o corpo do adversário e
chegar aos pés do companheiro,
atrás do marcador.
Desde que os ingleses inventaram
o futebol, ou melhor, organizaram
o futebol como um jogo coletivo e
com regras, discute-se sobre futebol
arte e de resultados. Não consigo ver
a arte separada da técnica e dos
resultados. O que não se pode é confundir arte com firula, exibicionismo e habilidade. Todo artista é habilidoso, mas nem todo habilidoso é
um artista.
Os grandes artistas, como Garrincha, Maradona, Ronaldinho e Messi,
só se tornaram craques porque possuíam ótima técnica. Jogam bem e
com eficiência. Já os que se destacam mais pela técnica, como Kaká,
só se tornam craques porque são
também habilidosos e criativos. Se
Kaká fosse mais fantasista, seria ainda melhor.
O futebol precisa do básico e do
extra, como disse o técnico Renê Simões. O básico são os fundamentos
técnicos, a capacidade física, a dedicação, a concentração e tantas outras coisas que podem ser planejadas e ensaiadas. O extra é o enfeite, a
improvisação, a fantasia, as finalizações, os dribles e os passes surpreendentes. O enfeite e o supérfluo são
essenciais.
Os treinadores têm medo de jogar
com vários jogadores habilidosos,
criativos e imprevisíveis.
Antes da Copa do Mundo de 2006,
Carlos Alberto Parreira disse que
atuar com Ronaldinho, Kaká e Robinho, além de Ronaldo, seria o limite
da ousadia. Ele não suportou essa
pressão interna e se perdeu, além de
trocar Robinho por Adriano.
No fundo de sua alma, Parreira
queria treinar a seleção inglesa ou a
italiana, nas quais as coisas seriam
mais previsíveis.
A seleção brasileira de 1994, campeã do mundo, dirigida por Parreira,
era uma seleção inglesa com o genial
Romário na frente.
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