São Paulo, quinta-feira, 17 de março de 2005

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FUTEBOL

Nós e os outros

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

"Não agredi ninguém que não merecesse." Flagrado pelas câmeras da Polícia Militar socando um... rival... inimigo... semelhante?... Paulo Serdan, presidente de honra da Mancha Alviverde, explica-se para a reportagem da TV Globo com tranqüilidade estarrecedora. "Têm outros meios de você resolver um problema como esse", sugere o repórter. "Sim, numa área legislativa, democrática. Mas a gente infelizmente não vive nesse mundo que a grande maioria do povo vive."
Essa declaração é a síntese mais acabada de quase todas as nossas mazelas. Se pudermos lhe atribuir algum mérito, é o de ser honesta. Cada um de nós, em algum momento (ou em todos eles), se arvora no direito de se considerar exceção à regra. As normas, os limites, as imposições existem para os outros, não para mim. Eu opero em patamar diferente dos outros mortais; eu sei decidir sozinho o que posso e não posso fazer.
Na política, nos negócios, no trânsito, no condomínio, sempre achamos uma justificativa ótima para atitudes que desrespeitam as regras escritas ou consensuais da convivência humana. Já nos acostumamos a dizer que "os fins justificam os meios" -e é claro que consideramos os nossos fins os melhores, os mais justos.
Para que esse desvio seja resolvido de verdade, é preciso haver uma revolução em nossa cultura de valores. Por favor, acompanhe o raciocínio com cuidado: você deixa de bater em uma velhinha, de depredar um orelhão, de tacar pedra em alguém, porque é proibido... ou porque acredita e concorda que não pode? Você nunca mataria alguém -espero- só porque é crime e dá cadeia, ou porque seu código de conduta lhe diz que NÃO PODE?
É esse respeito sincero ao outro e à vida que devemos ensinar e propagar. Porém temos cultivado a violência como solução; a desonestidade como recurso legítimo; o mau-caratismo como qualidade. Repare quantos anúncios publicitários fazem o elogio da mentira, da "esperteza" babaca. Em uma sociedade que evoca o consumo como medida do sucesso, em que a mídia desempenha papel tão importante como referência, esse estímulo é desastroso.
Em suma, não é a "extinção" das torcidas organizadas que vai resolver o problema da violência relacionada ao futebol. É preciso desarmar os gatilhos da violência, investindo em todas aquelas medidas de proteção e promoção social que conhecemos de cor (educação, lazer, trabalho etc.), cultivando outra sorte de valores.
A repressão inteligente e a aplicação de punições justas a quem transgredir as regras da civilidade são medidas profiláticas. E não basta punir as entidades (clubes e torcidas); é preciso punir o indivíduo que comete agressões e atos de vandalismo. Quem despreza as regras da sociedade pouco se importa com o mal que causa aos outros -mesmo que diga que "os outros" (o time, a torcida) são a razão da sua vida. Cada um tem de responder e pagar pelo mal que causa, para não dar fundamento à percepção de que leis e regras são sempre para os outros.

Fiasco do século
Quem poderia ter apostado contra o Real Madrid das contratações espetaculares, que não eram valiosas apenas do ponto de vista do "marketing", como se costuma dizer, mas também segundo critérios esportivos? Hoje, depois de tantos tropeços, quase esquecemos que esse time já brilhou, já encantou, já pareceu favorito a tudo. Mas o naufrágio é mesmo escandaloso e suscita debates infindáveis. Faltou o carregador de piano? Faltou quem barrasse o Raúl? Entre os muitos problemas que devem ser considerados, a imprensa espanhola levantou um ponto interessante -os galácticos têm contratos longos demais. O que era uma proteção virou um fardo. Com as multas astronômicas, como se desfazer deles?


E-mail: soninha.folha@uol.com.br

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