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FUTEBOL
Nós e os outros
SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA
"Não agredi ninguém que
não merecesse." Flagrado
pelas câmeras da Polícia Militar
socando um... rival... inimigo... semelhante?... Paulo Serdan, presidente de honra da Mancha Alviverde, explica-se para a reportagem da TV Globo com tranqüilidade estarrecedora. "Têm outros
meios de você resolver um problema como esse", sugere o repórter.
"Sim, numa área legislativa, democrática. Mas a gente infelizmente não vive nesse mundo que
a grande maioria do povo vive."
Essa declaração é a síntese mais
acabada de quase todas as nossas
mazelas. Se pudermos lhe atribuir
algum mérito, é o de ser honesta.
Cada um de nós, em algum momento (ou em todos eles), se arvora no direito de se considerar exceção à regra. As normas, os limites, as imposições existem para os
outros, não para mim. Eu opero
em patamar diferente dos outros
mortais; eu sei decidir sozinho o
que posso e não posso fazer.
Na política, nos negócios, no
trânsito, no condomínio, sempre
achamos uma justificativa ótima
para atitudes que desrespeitam as
regras escritas ou consensuais da
convivência humana. Já nos acostumamos a dizer que "os fins justificam os meios" -e é claro que
consideramos os nossos fins os
melhores, os mais justos.
Para que esse desvio seja resolvido de verdade, é preciso haver
uma revolução em nossa cultura
de valores. Por favor, acompanhe
o raciocínio com cuidado: você
deixa de bater em uma velhinha,
de depredar um orelhão, de tacar
pedra em alguém, porque é proibido... ou porque acredita e concorda que não pode? Você nunca
mataria alguém -espero- só
porque é crime e dá cadeia, ou
porque seu código de conduta lhe
diz que NÃO PODE?
É esse respeito sincero ao outro e
à vida que devemos ensinar e propagar. Porém temos cultivado a
violência como solução; a desonestidade como recurso legítimo;
o mau-caratismo como qualidade. Repare quantos anúncios publicitários fazem o elogio da mentira, da "esperteza" babaca. Em
uma sociedade que evoca o consumo como medida do sucesso,
em que a mídia desempenha papel tão importante como referência, esse estímulo é desastroso.
Em suma, não é a "extinção"
das torcidas organizadas que vai
resolver o problema da violência
relacionada ao futebol. É preciso
desarmar os gatilhos da violência,
investindo em todas aquelas medidas de proteção e promoção social que conhecemos de cor (educação, lazer, trabalho etc.), cultivando outra sorte de valores.
A repressão inteligente e a aplicação de punições justas a quem
transgredir as regras da civilidade são medidas profiláticas. E não
basta punir as entidades (clubes e
torcidas); é preciso punir o indivíduo que comete agressões e atos
de vandalismo. Quem despreza as
regras da sociedade pouco se importa com o mal que causa aos
outros -mesmo que diga que "os
outros" (o time, a torcida) são a
razão da sua vida. Cada um tem
de responder e pagar pelo mal
que causa, para não dar fundamento à percepção de que leis e
regras são sempre para os outros.
Fiasco do século
Quem poderia ter apostado
contra o Real Madrid das contratações espetaculares, que
não eram valiosas apenas do
ponto de vista do "marketing",
como se costuma dizer, mas
também segundo critérios esportivos? Hoje, depois de tantos tropeços, quase esquecemos que esse time já brilhou, já
encantou, já pareceu favorito a
tudo. Mas o naufrágio é mesmo
escandaloso e suscita debates
infindáveis. Faltou o carregador de piano? Faltou quem barrasse o Raúl? Entre os muitos
problemas que devem ser considerados, a imprensa espanhola levantou um ponto interessante -os galácticos têm
contratos longos demais. O que
era uma proteção virou um fardo. Com as multas astronômicas, como se desfazer deles?
E-mail: soninha.folha@uol.com.br
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