São Paulo, terça, 17 de março de 1998

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A volta do terrível Frankenstein

JOSÉ ROBERTO TORERO
da Equipe de Articulistas

Era Lua cheia. Os cães uivavam. Chovia torrencialmente, e os relâmpagos iluminavam o negrume da noite com seus flashes azulados. Longe do centro da cidade, no seu úmido laboratório em São Miguel, o doutor Franklin Steinberg, Frank Stein para os íntimos, dava loucas gargalhadas, feliz por chegar ao fim de sua ousada experiência.
A idéia havia nascido 20 anos antes, quando ele era médico da CBF e carregado dos exames antidoping. Desde aquele tempo o doutor Frank Stein vinha guardando frascos e mais frascos de urina no freezer de sua casa.
Sua intenção era conseguir reproduzir o DNA retirado da uréia dos jogadores. Ele injetaria esse DNA nas diferentes partes do corpo de um defunto e, depois de trazê-lo de volta à vida, teria o mais perfeito atacante de todos os tempos.
Naquela noite ele concluiria tudo. Já sonhava com a fama, a glória, os gols e as vitórias, mas, principalmente, com os 20% que ganharia como empresário de seu superatleta.
Nos olhos do morto colocou o DNA de Pelé, para que ele tivesse visão aguçada e sempre atenta ao menor descuido dos zagueiros, olhos que saberiam ver o caminho do gol.
Nos braços deu uma injeção com a urina de Serginho Chulapa, para que eles ficassem grandes, longos e fortes, ideais para afastar os zagueiros e abrir espaços na área.
Para os pulmões usou o DNA de Cafu, e no calcanhar inoculou o de Sócrates.
Para a perna direita recorreu ao material genético de Nelinho e, para a esquerda, ao de Rivellino. O atacante ideal soltaria chutes venenosos com as duas pernas.
Faltava, para arrematar a obra-prima, a escolha do DNA para o cérebro. Depois de muito ponderar, o cientista acabou optando pelo cérebro de Cruyff. que ele considerava ter um misto de genialidade, senso profissional, inteligência tática e eficiência. Frank separou o frasco, esfregou as mãos ansiosamente e foi ao banheiro, pois mexer naqueles vidros sempre estimulava sua bexiga.
Acontece, porém, que a chuva daquela noite não parava. E, como a prefeitura não tinha feito a limpeza de bueiros do seu bairro, enquanto ele estava no banheiro a água subiu rapidamente.
Ao voltar, viu seus tubos de ensaio boiando. Só um escapara, pois estava numa prateleira mais alta. Antes que seu laboratório ficasse totalmente alagado e seus aparelhos fossem inutilizados, o doutor injetou a substância do último frasco no cérebro do monstro.
Então o cientista ligou sua máquina e raios de eletricidade iluminaram seu porão. A experiência deu certo. Fez-se o milagre da vida, e o monstro se levantou. Mas, em vez de mostrar-se agradecido ao seu criador, começou a dar chutes para todos os lados e fugiu.
O doutor Frank Stein tentou encontrar seu pupilo durante dias e foi achá-lo numa delegacia. Seu super-homem estava preso. Tinha atropelado 20 pessoas, saído sem pagar de 10 restaurantes e agredido vários policiais com pontapés e tapas.
Só então o cientista teve a idéia de verificar de qual frasco ele tirara o DNA para o cérebro de sua criação. Enfim, achara a causa da tragédia. Era o frasco de Edmundo.


O escritor e cineasta José Roberto Torero escreve às terças e quintas



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