São Paulo, sábado, 17 de abril de 2004

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MOTOR

Lawrence

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE

A mitologia grega diz que os heróis estão entre os deuses e os homens. Não são um nem outro, ficam no meio do caminho.
A mitologia dos nossos tempos, se é que existe uma, simplifica bem o processo. Na falta de deuses e diante de uma massa ignara e sedenta, pinça meia dúzia que merecerá os louros e o olimpo através de diferentes processos lucrativos. Mas, como disse certa vez Martina Navratilova, a diferença entre o artista e o esportista é que um atua e o outro tem que fazer de verdade. Exatamente por isso, por fazer de verdade o que poucos conseguem fazer, acabam sendo chamados de heróis.
Faz sentido, portanto, chamar Senna de herói. Só que dez anos depois, não adianta mais lembrar os feitos extraordinários. É preciso ir além, explicar como ele conseguiu fazer isso ou aquilo.
O mérito da nova biografia sobre Senna, lançada nesta semana pelo jornalista Ernesto Rodrigues, curiosamente não é esse. "Ayrton, o herói revelado" desce a detalhes incríveis, como a cor do Escort XR3 que o então jovem piloto esmerilhava entre Santana, Morumbi e a rua Augusta, mais para qualificar o herói, algo que certamente faltava. O Senna descrito por Rodrigues é angustiado, conturbado, dividido, falível, delicado, entre outros adjetivos difíceis de atribuir a alguém como ele.
Até e imediatamente após a sua morte, Senna era uma espécie de herói clássico, sem poréns ou apesares. Seus momentos de virulência na pista, por exemplo, eram explicados como sentido de justiça. Os boatos sobre sua masculinidade, como inveja alheia.
Nada disso muda no livro, mas aprendemos que Senna era tão ou mais virulento fora da pista -suas negociações com a Lotus beiram o maquiavélico- e que a atitude olímpica diante dos falatórios de Piquet e as soluções encontradas o incomodavam muito mais do que se imaginava.
Enfim, Senna deixa de ser o herói clássico, ganha fraquezas e até sexo, não o de revista de fofocas, mas aquele que qualquer mortal enfrenta entre quatro paredes.
Uma aura frágil, que nada lembra o caráter "predador", como bem descreve o livro, de quem saía à pista nos treinos oficiais para desmoralizar o resto do grid. Ou de quem foi capaz de premeditar, sempre segundo o livro, um acidente a mais de 200 km/h.
O livro também não permite identificar Senna como um herói pueril, tipo Skywalker, que está lá por uma causa maior, talvez a imagem que mais o popularizou entre os brasileiros, de donas-de-casa a fanáticos. Sua causa era própria e sua personalidade tinha diversos momentos de Hans Solo.
Senna era ao mesmo tempo tímido e eloqüente, vingador e sanguinário. Como um Lawrence da Arábia -comparação que fará muitos leitores me colocarem ao lado de Piquet, não é o caso-, o estrangeiro que conseguiu reunir toda uma nação sob seu comando, ainda que incapaz de lidar com seus dilemas pessoais.
Senna odiava o universo pegajoso e imoral da F-1. E, no lugar de praguejar, fez a mesma admitir que o diferente, o incomum, o inalcançável, era ele. Só ele.
A F-1 se rendeu a Senna.

Schumacher
Herói do nosso tempo, Schumacher não disse, ao contrário do que muita gente publicou, que pensou em se aposentar. Afirmou que chegou a se perguntar se agüentaria o tranco, o que é bem diferente.

Valentino
Outro herói do nosso tempo, o italiano fez a pole provisória ontem em Welkon, com aquela moto da Yamaha que até o final do ano passado era uma porcaria. O Mundial desta temporada valerá a pena.

Indy?
Como o negócio formalmente acabou e neste final de semana começa de novo -fecharam o grid mínimo de 18 carros nesta semana-, o nome também mudou. A partir de agora, vamos de Champ Car.

E-mail mariante@uol.com.br


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