São Paulo, sábado, 17 de abril de 2004

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FUTEBOL

Telhados de vidro

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Numa semana conturbada por vários acontecimentos extracampo -agressão a jogadores do Corinthians, colisão entre Leão e os dirigentes do Santos, briga entre Elson e Jair Picerni no Palmeiras-, o que mais causou polêmica foi uma frase dita pelo técnico Geninho durante um treino do Vasco.
"Ficou parado, chuta o tornozelo dele", disse o treinador, e a frase, captada por um cinegrafista de TV, foi ao ar em todo o país.
A sina de Geninho parece ser a de dizer a coisa errada na hora errada. Todos se lembram de quando ele gritou "Pega!" para o lateral Roger, então no Corinthians, e o garoto obedeceu a ordem ao pé da letra, quebrando o meia argentino D'Alessandro e sendo expulso em seguida.
Mais uma vez, o treinador foi infeliz, menos pelo que disse e mais pelas circunstâncias em torno do que disse.
Estamos às vésperas de uma final Vasco x Flamengo, e todo mundo sabe que o grande astro rubro-negro, Felipe, tem como característica ficar parado diante do adversário, chamando-o para dançar, nos dois sentidos do verbo "dançar". Para agravar a coisa, o craque flamenguista sofreu recentemente seguidas contusões no tornozelo.
Daí à ilação de que Geninho estaria mandando seus atletas agredirem Felipe foi um passo. Mas esse passo deveria ter sido dado de modo, no mínimo, mais cuidadoso.
Quem tratou o assunto com mais precisão e responsabilidade, a meu ver, foi José Trajano, na ESPN Brasil. Para Trajano, o problema está na invasão, pela imprensa, de um determinado espaço, que tem seus próprios códigos e sua própria linguagem. Extraindo desse espaço uma frase específica, ela ganha um significado e um alcance que originalmente não tinham.
O próprio treinador do Flamengo, Abel Braga, num momento de relaxamento, disse que, se tivesse pela frente um jogador como Felipe em seus tempos de zagueiro, "dava no meio dele".
O argumento definitivo de Trajano é o seguinte: se alguém gravar uma reunião interna da Redação de um jornal ou de uma emissora de TV, vai constatar que ali são ditas coisas aparentemente absurdas e muitas vezes condenáveis, que só se justificam no contexto em que afloram, um contexto feito de intimidade, informações compartilhadas, um determinado humor etc.
Em outras palavras: ao ouvir a vizinha dizer ao marido "tenho vontade de te matar", dificilmente você ligará para a polícia para denunciar uma ameaça de homicídio. O mais provável é que pense: "Eles que se entendam".
Geninho pisou na bola, claro. Mas a imprensa amplificou em demasia o deslize do treinador, na esperança de esquentar o noticiário em torno do clássico. Como se ela própria, a imprensa, não tivesse telhado de vidro.
Alguém (não me lembro quem) disse que "as salsichas, os jornais e as leis, é melhor não saber como são feitos". O mesmo vale para os times profissionais de futebol.

Maioridade
Se o São Caetano se sagrar campeão paulista amanhã, como é provável, ingressará oficialmente no seleto círculo dos "grandes" de São Paulo. Diferentemente de outras equipes do interior que chegaram circunstancialmente ao título estadual e depois voltaram à obscuridade, o Azulão vem mantendo há quatro anos um nível altíssimo de competitividade, em âmbito nacional e internacional. Sua vitória de anteontem sobre o Strongest (2 a 0), em La Paz, jogando praticamente com um elenco reserva, comprovou que o São Caetano está hoje num estágio que até mesmo muitos "grandes" tradicionais invejam. É muito mais time que o Paulista e merece ser campeão. Desde já, é candidato também ao título brasileiro.

E-mail jgcouto@uol.com.br


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