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FUTEBOL
Telhados de vidro
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Numa semana conturbada
por vários acontecimentos
extracampo -agressão a jogadores do Corinthians, colisão entre
Leão e os dirigentes do Santos,
briga entre Elson e Jair Picerni no
Palmeiras-, o que mais causou
polêmica foi uma frase dita pelo
técnico Geninho durante um treino do Vasco.
"Ficou parado, chuta o tornozelo dele", disse o treinador, e a frase, captada por um cinegrafista
de TV, foi ao ar em todo o país.
A sina de Geninho parece ser a
de dizer a coisa errada na hora
errada. Todos se lembram de
quando ele gritou "Pega!" para o
lateral Roger, então no Corinthians, e o garoto obedeceu a ordem ao pé da letra, quebrando o
meia argentino D'Alessandro e
sendo expulso em seguida.
Mais uma vez, o treinador foi
infeliz, menos pelo que disse e
mais pelas circunstâncias em torno do que disse.
Estamos às vésperas de uma final Vasco x Flamengo, e todo
mundo sabe que o grande astro
rubro-negro, Felipe, tem como característica ficar parado diante
do adversário, chamando-o para
dançar, nos dois sentidos do verbo "dançar". Para agravar a coisa, o craque flamenguista sofreu
recentemente seguidas contusões
no tornozelo.
Daí à ilação de que Geninho estaria mandando seus atletas
agredirem Felipe foi um passo.
Mas esse passo deveria ter sido
dado de modo, no mínimo, mais
cuidadoso.
Quem tratou o assunto com
mais precisão e responsabilidade,
a meu ver, foi José Trajano, na
ESPN Brasil. Para Trajano, o problema está na invasão, pela imprensa, de um determinado espaço, que tem seus próprios códigos
e sua própria linguagem. Extraindo desse espaço uma frase específica, ela ganha um significado e
um alcance que originalmente
não tinham.
O próprio treinador do Flamengo, Abel Braga, num momento de
relaxamento, disse que, se tivesse
pela frente um jogador como Felipe em seus tempos de zagueiro,
"dava no meio dele".
O argumento definitivo de Trajano é o seguinte: se alguém gravar uma reunião interna da Redação de um jornal ou de uma
emissora de TV, vai constatar que
ali são ditas coisas aparentemente absurdas e muitas vezes condenáveis, que só se justificam no
contexto em que afloram, um
contexto feito de intimidade, informações compartilhadas, um
determinado humor etc.
Em outras palavras: ao ouvir a
vizinha dizer ao marido "tenho
vontade de te matar", dificilmente você ligará para a polícia para
denunciar uma ameaça de homicídio. O mais provável é que pense: "Eles que se entendam".
Geninho pisou na bola, claro.
Mas a imprensa amplificou em
demasia o deslize do treinador,
na esperança de esquentar o noticiário em torno do clássico. Como
se ela própria, a imprensa, não tivesse telhado de vidro.
Alguém (não me lembro quem)
disse que "as salsichas, os jornais
e as leis, é melhor não saber como
são feitos". O mesmo vale para os
times profissionais de futebol.
Maioridade
Se o São Caetano se sagrar campeão paulista amanhã, como é
provável, ingressará oficialmente no seleto círculo dos
"grandes" de São Paulo. Diferentemente de outras equipes
do interior que chegaram circunstancialmente ao título estadual e depois voltaram à obscuridade, o Azulão vem mantendo há quatro anos um nível
altíssimo de competitividade,
em âmbito nacional e internacional. Sua vitória de anteontem sobre o Strongest (2 a 0),
em La Paz, jogando praticamente com um elenco reserva,
comprovou que o São Caetano
está hoje num estágio que até
mesmo muitos "grandes" tradicionais invejam. É muito
mais time que o Paulista e merece ser campeão. Desde já, é
candidato também ao título
brasileiro.
E-mail jgcouto@uol.com.br
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