São Paulo, domingo, 17 de abril de 2005

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VELA

Sem dinheiro, treinador e estrutura, Ronyon Silva rompe padrão da modalidade, ergue troféus e desperta compaixão

Elite se espanta com prodígio da periferia

GUILHERME ROSEGUINI
ENVIADO ESPECIAL A ILHABELA

Sentado ao lado de seu barquinho, Ronyon Silva desandou a chorar. Com um misto de raiva e tristeza, o garoto de 15 anos decidiu colocar um ponto final na curta e premiada carreira de atleta.
Ele acabara de conquistar uma vaga para representar o Brasil em um torneio internacional de vela. Só que precisaria desembolsar R$ 10 mil para participar do evento.
"Eu sei que, para a maioria que está neste meio, esse valor não é nada. Mas, para mim, é uma coisa de outro mundo. Fiquei chateado e achei que não queria mais passar por situações assim", diz.
Após verter todas as lágrimas que podia, Ronyon voltou atrás e escolheu continuar a competir. Hoje, um ano após o episódio batizado como o "dia mais difícil da minha vida", segue construindo uma biografia rara -e provavelmente inédita- no esporte que mais deu medalhas para o Brasil em Olimpíadas (14 no total).
Natural de Ilhabela, litoral norte de São Paulo, ele é o atual campeão brasileiro da optimist -espécie de categoria-escola, porta de entrada da modalidade.
Além da técnica e do arrojo, o atleta chamou atenção por sua origem. "Estou há 50 anos na vela e nunca vi um caso assim. É muito difícil um garoto tão pobre conseguir tanto destaque. Pelo preço dos materiais, a vela sempre foi dominada pela elite", afirma Walcles Osório, presidente da Federação Brasileira de Vela e Motor.
Apesar de não existirem estatísticas sobre a condição socioeconômica dos campeões, o discurso do ineditismo é encampado por outras entidades, como a Associação Brasileira da Optmist, e especialistas na área, como Lars Grael, bronze nos Jogos de Seul-1988 e Atlanta-1996 e atual secretário estadual do Esporte de São Paulo.
Trata-se de uma história que começou por acaso. Ronyon, cujo pai é motorista e a mãe auxiliar de enfermagem, passava seus dias perambulando pelas ruas de sua cidade. "Eu era um abobado. Só fazia bagunça na vida e tirava notas ruins na escola", lembra.
Em uma tarde de 2002, acabou levado por Rony, seu pai, até um recém-inaugurado projeto do governo federal que ensinava vela para crianças de baixa renda.
"Cheguei de calça, completamente despreparado para entrar no mar. Eu não sabia nada. Até aquele dia, meu sonho era ser jogador de futebol profissional", conta.
Não demorou para mudar seus anseios. No mesmo ano, começou a colecionar bons resultados. E, com eles, algumas desilusões.
Enquanto seus rivais exibiam materiais importados, Ronyon sempre concorria com equipamento de segunda mão.
Nem sonhava com algo melhor. Os R$ 4.500 necessários para adquirir o barco de 2 m da optimist representam cinco vezes o valor da renda mensal de sua casa.
No ano passado, seu pai decidiu alterar esse enredo. Juntou economias, fez empréstimos e conseguiu adquirir um barco usado por R$ 2.500. Era o suficiente.
Com ele, Ronyon deslanchou e, no início deste ano, conseguiu o título nacional no Rio.
"Eu sei que meus rivais têm estrutura melhor. Por isso, treino muito. Passo quatro horas por dia no mar. Só não fico mais porque escurece muito rápido", diz.
Sua trajetória despertou compaixão em competidores consagrados e empresários que circulam no ambiente da vela. Alexandre Paradeda e Bernardo Arndt, que representaram o Brasil nos Jogos de Atenas-2004, costumam orientá-lo quando estão em Ilhabela -Ronyon não tem técnico.
Robert Scheidt, campeão na Grécia na classe laser, viu o garoto triunfar em um campeonato realizado em Rio das Ostras, no mês passado, e se ofereceu para ajudá-lo a prosseguir no esporte.
No mesmo torneio, outra boa notícia: um fabricante nacional presenteou Ronyon com seu primeiro barco "zero-quilômetro".
"Ele me disse que era um reconhecimento pelo meu esforço, pela minha humildade", narra.
Apesar dos incentivos, a realidade é austera. Anteontem, por exemplo, enquanto conversava com a reportagem da Folha, o garoto finalizava os preparativos para viajar até Porto Alegre, que abriga a partir de amanhã uma seletiva para o Mundial de optimist.
Sem dinheiro para percorrer os 1.220 km de avião, ele e o pai colocaram o barco à reboque e sacolejaram na estrada em um Escort. "Preciso ganhar. O primeiro colocado vai ao Mundial com tudo pago. Só assim poderei participar."

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