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VELA
Sem dinheiro, treinador e estrutura, Ronyon Silva rompe padrão da modalidade, ergue troféus e desperta compaixão
Elite se espanta com prodígio da periferia
GUILHERME ROSEGUINI
ENVIADO ESPECIAL A ILHABELA
Sentado ao lado de seu barquinho, Ronyon Silva desandou a
chorar. Com um misto de raiva e
tristeza, o garoto de 15 anos decidiu colocar um ponto final na curta e premiada carreira de atleta.
Ele acabara de conquistar uma
vaga para representar o Brasil em
um torneio internacional de vela.
Só que precisaria desembolsar R$
10 mil para participar do evento.
"Eu sei que, para a maioria que
está neste meio, esse valor não é
nada. Mas, para mim, é uma coisa
de outro mundo. Fiquei chateado
e achei que não queria mais passar por situações assim", diz.
Após verter todas as lágrimas
que podia, Ronyon voltou atrás e
escolheu continuar a competir.
Hoje, um ano após o episódio batizado como o "dia mais difícil da
minha vida", segue construindo
uma biografia rara -e provavelmente inédita- no esporte que
mais deu medalhas para o Brasil
em Olimpíadas (14 no total).
Natural de Ilhabela, litoral norte
de São Paulo, ele é o atual campeão brasileiro da optimist -espécie de categoria-escola, porta
de entrada da modalidade.
Além da técnica e do arrojo, o
atleta chamou atenção por sua
origem. "Estou há 50 anos na vela
e nunca vi um caso assim. É muito
difícil um garoto tão pobre conseguir tanto destaque. Pelo preço
dos materiais, a vela sempre foi
dominada pela elite", afirma Walcles Osório, presidente da Federação Brasileira de Vela e Motor.
Apesar de não existirem estatísticas sobre a condição socioeconômica dos campeões, o discurso
do ineditismo é encampado por
outras entidades, como a Associação Brasileira da Optmist, e especialistas na área, como Lars Grael,
bronze nos Jogos de Seul-1988 e
Atlanta-1996 e atual secretário estadual do Esporte de São Paulo.
Trata-se de uma história que começou por acaso. Ronyon, cujo
pai é motorista e a mãe auxiliar de
enfermagem, passava seus dias
perambulando pelas ruas de sua
cidade. "Eu era um abobado. Só
fazia bagunça na vida e tirava notas ruins na escola", lembra.
Em uma tarde de 2002, acabou
levado por
Rony, seu pai,
até um recém-inaugurado
projeto do governo federal
que ensinava
vela para crianças de baixa
renda.
"Cheguei de
calça, completamente despreparado para entrar no
mar. Eu não
sabia nada. Até
aquele dia,
meu sonho era
ser jogador de
futebol profissional", conta.
Não demorou para mudar seus
anseios. No mesmo ano, começou
a colecionar bons resultados. E,
com eles, algumas desilusões.
Enquanto seus rivais exibiam
materiais importados, Ronyon
sempre concorria com equipamento de segunda mão.
Nem sonhava com algo melhor.
Os R$ 4.500 necessários para adquirir o barco de 2 m da optimist
representam cinco vezes o valor
da renda mensal de sua casa.
No ano passado, seu pai decidiu
alterar esse enredo. Juntou economias, fez empréstimos e conseguiu adquirir um barco usado por
R$ 2.500. Era o suficiente.
Com ele, Ronyon deslanchou e,
no início deste ano, conseguiu o
título nacional no Rio.
"Eu sei que meus rivais têm estrutura melhor. Por isso, treino
muito. Passo quatro horas por dia
no mar. Só não fico mais porque
escurece muito rápido", diz.
Sua trajetória despertou compaixão em competidores consagrados e empresários que circulam no ambiente da vela. Alexandre Paradeda e Bernardo Arndt,
que representaram o Brasil nos
Jogos de Atenas-2004, costumam
orientá-lo quando estão em Ilhabela -Ronyon não tem técnico.
Robert Scheidt, campeão na
Grécia na classe laser, viu o garoto
triunfar em um campeonato realizado em Rio das Ostras, no mês
passado, e se ofereceu para ajudá-lo a prosseguir no esporte.
No mesmo torneio, outra boa
notícia: um fabricante nacional
presenteou Ronyon com seu primeiro barco "zero-quilômetro".
"Ele me disse que era um reconhecimento pelo meu esforço, pela minha humildade", narra.
Apesar dos incentivos, a realidade é austera. Anteontem, por
exemplo, enquanto conversava
com a reportagem da Folha, o garoto finalizava os preparativos para viajar até Porto Alegre, que
abriga a partir de amanhã uma seletiva para o Mundial de optimist.
Sem dinheiro para percorrer os
1.220 km de avião, ele e o pai colocaram o barco à reboque e sacolejaram na estrada em um Escort.
"Preciso ganhar. O primeiro colocado vai ao Mundial com tudo pago. Só assim poderei participar."
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