São Paulo, sexta-feira, 17 de maio de 2002

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Time de Scolari assume na Espanha papel de matar as jogadas dos rivais

A falta tática, na falta de arte

Juca Varella/Folha Imagem
O atacante Edílson entra com bola e tudo ao marcar o primeiro de seus dois gols na goleada da seleção por 5 a 0 contra o Espanyol B



Capitão Emerson anuncia estratégia, oposta à da geração de 82, cujo futebol-arte viveu no país europeu sua glória e frustração


FÁBIO VICTOR
JOSÉ ALBERTO BOMBIG
SÉRGIO RANGEL
ENVIADOS ESPECIAIS A BARCELONA

Na mesma Espanha onde há 20 anos o futebol-arte viveu sua consagração e frustração, a seleção brasileira lançou ontem oficialmente seu novo estilo, concebido pelo técnico Luiz Felipe Scolari e traduzido pelo capitão Emerson na expressão "falta tática".
Não sem ironia, há duas décadas o Brasil lamenta que Cerezo, Luisinho e cia. não tivessem parado Paolo Rossi e seus colegas italianos com uma pitada de antijogo no Sarriá, em Barcelona.
Nessas duas décadas, a seleção se transfigurou tanto quanto o Sarriá. O estádio não existe mais -foi implodido para dar lugar a um condomínio de luxo.
O time nacional, ao menos em sua concepção, é o oposto da geração de 1982, traduzida pela criatividade e pelo refinamento de Zico, Sócrates e Falcão.
A atual seleção é obediente ao futebol de resultados de Scolari e apologista das faltas. Mas jogadores como Ronaldo, Ronaldinho, Rivaldo e Denílson podem, em lances que escapam da concepção tática, dar momentos de brilho ao time montado por Scolari.
Na capital da Catalunha, a Folha constatou ontem os dois abismos. Visitou o "cemitério" de Sarriá e acompanhou o jogo-treino da seleção, no qual Emerson cunhou um lema para a filosofia que o treinador vem exigindo desde que assumiu o cargo.
Antes de começar a partida, em que o Brasil só goleou o time B do Espanyol quando adotou uma formação mais ofensiva, o volante da Roma, capitão do escrete de Scolari, explicou a tese.
"Existem faltas e faltas. A violenta tem que ser evitada porque em uma Copa do Mundo não podemos levar muitos cartões. A falta tática existe, e não podemos pensar que a seleção brasileira, pela qualidade de seus jogadores, não pode cometê-las. Tem que marcar também. Caso contrário, fica fácil para os adversários."
E completou: "A falta faz parte do jogo. Às vezes você faz uma falta tática e pára a jogada no momento certo. Essa é a parte importante. Em alguns momentos do jogo, a falta tática é necessária".
A sintonia entre Emerson e Scolari, ambos gaúchos, é perfeita.
Pouco tempo depois de o capitão brasileiro fazer a louvação da "falta tática", o treinador anunciou sua decisão de desprezar o esquema com apenas dois zagueiros, que tem se revelado mais ofensivo no time brasileiro, no amistoso de amanhã contra a seleção da Catalunha.
Quando terminou o jogo-treino, Scolari recuou de sua decisão inicial e disse que, no 4-3-3, achou a seleção muito exposta diante do time de estudantes do Espanyol B. Assim, seria um risco desnecessário repetir a experiência desde o início contra a Catalunha.
O Brasil atuará no 3-5-2, com três zagueiros, esquema levado pelo treinador à seleção pela primeira vez após o fracasso na Copa de 90, quando Sebastião Lazaroni lançou a moda na seleção.
Ao chegar a Barcelona, Scolari dissera que, por causa de desfalques no time titular, testaria o esquema com dois zagueiros no amistoso no Camp Nou.
"Eu vou conversar com o Lúcio e o Anderson Polga, que vão chegar amanhã [hoje", se vão poder jogar. Caso um dos dois possa suportar, vou escalar o time com três zagueiros pelo menos nos primeiros 45 minutos, para entrosar mais o esquema da Copa", declarou o treinador do time nacional.
Scolari ficou desapontado com a atuação do time no esquema 4-4-2 que iniciou o jogo-treino no estádio Olímpico de Barcelona.
Apesar de ter goleado a fraca equipe adversária, por 5 a 0, a seleção não saiu de um empate sem gols quando jogava com o desenho tático mais utilizado no Brasil -o mesmo da Copa de 82.
Sem contar com quatro titulares da Copa (Lúcio e Rivaldo, contundidos, e Roberto Carlos e Anderson Polga, que só devem se apresentar hoje), o time brasileiro só deslanchou quando adotou o 4-3-3, com dois zagueiros e três atacantes (Edílson na ponta direita, Denílson na esquerda e Ronaldo como centroavante).
O império defensivista na seleção brasileira encontra ressonância em outros países.
Com a fase de incerteza vivida pelas grandes estrelas do meio-campo e ataque, como Rivaldo e Ronaldo, alguns dos jogadores brasileiros mais valorizados na Europa são aqueles que têm como função principal destruir a criatividade, entre eles Lúcio, Emerson e Edmílson.
Para milhões de brasileiros, a geração de 82 não morrerá tão cedo. Mas hoje, em Barcelona, ela descansa em paz.


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