São Paulo, terça-feira, 17 de maio de 2005

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BASQUETE

Falando francamente

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

Um engenheiro feio, branco esverdeado, magro, desengonçado. Afora os 2,08 m de altura, nada nele lembra basquete, que dirá a NBA. Mas Paul Shirley está sempre lá, uniformizado, na ponta do banco de reservas do Phoenix Suns, o time sensação da temporada. "Deve ser para impedir que o técnico, no outro canto, se desequilibre", brinca o ala-pivô, ciente da falta de atributos técnicos e físicos.
Suas responsabilidades, ele continua, são: 1) não chegar atrasado a treinos, jogos e viagens; 2) não agredir os fãs; 3) não parecer preguiçoso nos exercícios, servindo de mau exemplo aos titulares; 4) entrar no fim da partida quando a equipe estiver com uma vantagem intransponível no placar e de imediato tentar bater o recorde de arremessos por minuto, com o objetivo de aparecer, nem que marginalmente, na ficha do jogo.
Neste campeonato, seu nome foi invocado só nove vezes. Participou de 30 minutos, marcou 12 pontos. Nas demais 50 e tantas rodadas, 0 minuto, 0 ponto, 0% de aproveitamento. Nada que o surpreenda. Em quatro anos como profissional, atuou por dez clubes e foi demitido por seis...
Ainda assim, Paul é a melhor história dos playoffs da liga norte-americana. Nunca os bastidores da NBA foram escancarados com tantos detalhes, bom humor e franqueza como no diário que o atleta mantém na internet.
O que faz, afinal, um reserva no torneio mais hypado do mundo?
Entre um compromisso e outro, conta Paul, ele se entrega às fichas de pôquer. É a única, valiosa, oportunidade de levar a melhor sobre o titular -no caso, o multitalentoso Amaré Stoudemire.
No ginásio, o jeito é vasculhar as arquibancadas. Escolher o torcedor com a roupa mais ridícula, inventar histórias para metade dos caras da primeira fileira. Eleger a "cheerleader" mais gostosa, paquerar a mulher que der mole. "Tenho 27 anos, sou homem. Ficaria pensando em quê? No meu plano de aposentadoria?"
A despeito de fazer figuração, ele se diz exausto. Não é bolinho, "explica", ficar três horas concentrado o suficiente para eventualmente (muuuito eventualmente) entrar em quadra e, ao mesmo tempo, relaxado o suficiente para não se atrapalhar com a bola nas mãos. É igualmente custoso, prossegue, prestar atenção em cada um dos "74" pedidos de tempo -"em caso de o técnico decidir que todos terão de chutar com a esquerda, sob pena de castração".
A imperdível narrativa de Paul é a história de colegas de profissão imbecis e ignorantes, de sonos prolongados pela manhã porque é mais fácil resolver em uma só sentada o "duro desafio" de arrumar tanto o desjejum como o almoço, do fanatismo de fachada de torcedores que desembolsam US$ 300 por um ingresso, de amigos feitos ao redor do planeta que nunca serão revistos, de locutores que enrolam a língua para turbinar em vão a emoção da partida, de números de quarto de hotel esquecidos, de um torneio que se esquece de jogar basquete, de tolas mordomias, de muita solidão.
"Mas não vou reclamar. Como meu pai diria, é bem melhor do que cavar trincheiras."

Alcova 1
Como caberia a uma alma ingênua que deixou a "vibrante cidade" rural de Meridien, Kansas (população: 700), Paul chegou à NBA interessado em safadeza. Imaginou "groupies" de plantão no ginásio, hotéis, restaurantes, garotas obcecadas em conhecer seu jogador favorito (no caso, o disponível). Ilusão. Descobriu que a madrugada não pertence a loiras peitudas, e sim a meninos à caça de autógrafos. Que, como os times geralmente voam na noite das partidas, não há tempo para escapadas. Que, fora de casa, a NBA trepa apressada e com recibo. As cestas de Paul? Três "relacionamentos" que começaram no avião; um que começou e terminou no fundão de um ônibus.

Alcova 2
Anote o endereço: www.nba.com/suns/news/shirley-blog.html.

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