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BASQUETE
Falando francamente
MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE
Um engenheiro feio, branco esverdeado, magro, desengonçado. Afora os 2,08 m de
altura, nada nele lembra basquete, que dirá a NBA. Mas Paul
Shirley está sempre lá, uniformizado, na ponta do banco de reservas do Phoenix Suns, o time sensação da temporada. "Deve ser
para impedir que o técnico, no
outro canto, se desequilibre",
brinca o ala-pivô, ciente da falta
de atributos técnicos e físicos.
Suas responsabilidades, ele continua, são: 1) não chegar atrasado
a treinos, jogos e viagens; 2) não
agredir os fãs; 3) não parecer preguiçoso nos exercícios, servindo
de mau exemplo aos titulares; 4)
entrar no fim da partida quando
a equipe estiver com uma vantagem intransponível no placar e de
imediato tentar bater o recorde
de arremessos por minuto, com o
objetivo de aparecer, nem que
marginalmente, na ficha do jogo.
Neste campeonato, seu nome foi
invocado só nove vezes. Participou de 30 minutos, marcou 12
pontos. Nas demais 50 e tantas
rodadas, 0 minuto, 0 ponto, 0%
de aproveitamento. Nada que o
surpreenda. Em quatro anos como profissional, atuou por dez
clubes e foi demitido por seis...
Ainda assim, Paul é a melhor
história dos playoffs da liga norte-americana. Nunca os bastidores
da NBA foram escancarados com
tantos detalhes, bom humor e
franqueza como no diário que o
atleta mantém na internet.
O que faz, afinal, um reserva no
torneio mais hypado do mundo?
Entre um compromisso e outro,
conta Paul, ele se entrega às fichas
de pôquer. É a única, valiosa,
oportunidade de levar a melhor
sobre o titular -no caso, o multitalentoso Amaré Stoudemire.
No ginásio, o jeito é vasculhar
as arquibancadas. Escolher o torcedor com a roupa mais ridícula,
inventar histórias para metade
dos caras da primeira fileira. Eleger a "cheerleader" mais gostosa,
paquerar a mulher que der mole.
"Tenho 27 anos, sou homem. Ficaria pensando em quê? No meu
plano de aposentadoria?"
A despeito de fazer figuração,
ele se diz exausto. Não é bolinho,
"explica", ficar três horas concentrado o suficiente para eventualmente (muuuito eventualmente)
entrar em quadra e, ao mesmo
tempo, relaxado o suficiente para
não se atrapalhar com a bola nas
mãos. É igualmente custoso, prossegue, prestar atenção em cada
um dos "74" pedidos de tempo
-"em caso de o técnico decidir
que todos terão de chutar com a
esquerda, sob pena de castração".
A imperdível narrativa de Paul
é a história de colegas de profissão
imbecis e ignorantes, de sonos
prolongados pela manhã porque
é mais fácil resolver em uma só
sentada o "duro desafio" de arrumar tanto o desjejum como o almoço, do fanatismo de fachada
de torcedores que desembolsam
US$ 300 por um ingresso, de amigos feitos ao redor do planeta que
nunca serão revistos, de locutores
que enrolam a língua para turbinar em vão a emoção da partida,
de números de quarto de hotel esquecidos, de um torneio que se esquece de jogar basquete, de tolas
mordomias, de muita solidão.
"Mas não vou reclamar. Como
meu pai diria, é bem melhor do
que cavar trincheiras."
Alcova 1
Como caberia a uma alma ingênua que deixou a "vibrante cidade"
rural de Meridien, Kansas (população: 700), Paul chegou à NBA interessado em safadeza. Imaginou "groupies" de plantão no ginásio,
hotéis, restaurantes, garotas obcecadas em conhecer seu jogador favorito (no caso, o disponível). Ilusão. Descobriu que a madrugada
não pertence a loiras peitudas, e sim a meninos à caça de autógrafos.
Que, como os times geralmente voam na noite das partidas, não há
tempo para escapadas. Que, fora de casa, a NBA trepa apressada e
com recibo. As cestas de Paul? Três "relacionamentos" que começaram no avião; um que começou e terminou no fundão de um ônibus.
Alcova 2
Anote o endereço: www.nba.com/suns/news/shirley-blog.html.
E-mail melk@uol.com.br
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