São Paulo, sexta, 17 de julho de 1998

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Brésil...rien!

DÉCIO PIGNATARI
especial para a Folha

Pensando no futebol brasileiro que vinha sendo praticado nesta Copa até a fatídica disputa com Asterix, lembrei-me, por alguma razão, do lendário Cid, el Campeador, o semi-histórico Antônio Diaz de Vivar, que, mesmo depois de morto, ainda levava terror às inimigas hostes mouras. Muitos percebiam que Zagallo estava reduzindo o futebol brasileiro a um espectro, este sempre fora o seu vezo e vício. Mas confiavam na qualidade de nossos craques: eles é que haveriam de conduzir Zagallo à vitória final. Os mais práticos e pragmáticos eram também os mais axiomáticos: "Preferimos o tosco futebol de resultados de Zagallo ao belo-antônio futebolístico de Telê Santana, que não nos deu caneco algum". Como todo reducionismo, esse também tem apenas meio cheiro de verdade. Para começar, esse tipo de futebol já nos levou a performances vexatórias - com Zezé Moreira, com Coutinho, com o próprio Lobo Zagallo. E, para terminar, é preciso não esquecer que, quando esses burocratas do antijogo obtêm resultados positivos, devem-no exatamente aos grandes condutores estratégicos de equipes -tais como Telê Santana e Ademar Pimenta, que de um futebol de nível A fazem nascer craques de nível A, e vice-versa.
Ademar Pimenta... Nenhum comentarista se deu conta do grande significado -para o nosso futebol- desta Copa do ex-penta. Pois ela se deu 60 anos depois da jornada heróica de 1938, obra, entre outros, de Leônidas, Domingos da Guia, Tim, Patesko, Hércules. E Ademar Pimenta, sempre de boné. No segundo jogo, contra a Tchecoslováquia, houve empate, que persistiu na prorrogação e que foi um massacre de cansaço e botinadas. Novo jogo. O técnico botou em campo o time Azul, o time B, reserva, inteirinho (à exceção de Leônidas). E venceu. Perdemos da Itália, no jogo seguinte, mas conquistamos o terceiro lugar ao vencer a Suécia. Esta foi nossa primeira grande seleção. Depois, houve mais quatro: as de 58, 62, 70 e 82.
Espantoso Zagallo! Jamais se viu, em toda a história do futebol, caso parecido, qual seja: o de uma tal mediocridade ter chegado tão longe. E dizer que ainda outro dia, após a enganosa ultrapassagem da Holanda, até comentaristas sérios chegaram a dar-lhe nota 10!
Esqueceram-se da derrota diante da Noruega, esqueceram-se de que o goleiro da Dinamarca tomou gol (Rivaldo) perfeitamente defensável, esqueceram-se das seguidas atuações medíocres de Ronaldinho, Bebeto, Leonardo, Roberto Carlos, esqueceram-se...
A Hybris, braço vingativo do Destino, abateu-se sobre a arrogância demagógica de Zagallo, precipitando-o na gosma da própria incompetência. E qual terá sido a parte da CBF nessa história? Tomamos um baile dos leves e sutis gauleses, que vivificaram um esquema de jogo simples e claro, criado pelo coreógrafo Jacquet. Que mais nos resta? Lembrar dois poetas portugueses: "Um fraco rei faz fraca a forte gente" (Camões) e "Se nada mais te resta / que um ar de fim de festa / sabendo bem demais que a festa não foi tua..." (José Régio). E traduzir, aproximadamente, o título desta crônica-epitáfio: "Brasil...lero-lero".


Décio Pignatari é poeta concretista e professor aposentado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP


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