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Brésil...rien!
DÉCIO PIGNATARI
especial para a Folha
Pensando no futebol brasileiro que vinha sendo praticado
nesta Copa até a fatídica disputa com Asterix, lembrei-me,
por alguma razão, do lendário
Cid, el Campeador, o semi-histórico Antônio Diaz de Vivar,
que, mesmo depois de morto,
ainda levava terror às inimigas hostes mouras. Muitos percebiam que Zagallo estava reduzindo o futebol brasileiro a
um espectro, este sempre fora o
seu vezo e vício. Mas confiavam na qualidade de nossos
craques: eles é que haveriam
de conduzir Zagallo à vitória
final. Os mais práticos e pragmáticos eram também os mais
axiomáticos: "Preferimos o
tosco futebol de resultados de
Zagallo ao belo-antônio futebolístico de Telê Santana, que
não nos deu caneco algum".
Como todo reducionismo, esse
também tem apenas meio
cheiro de verdade. Para começar, esse tipo de futebol já nos
levou a performances vexatórias - com Zezé Moreira, com
Coutinho, com o próprio Lobo
Zagallo. E, para terminar, é
preciso não esquecer que,
quando esses burocratas do
antijogo obtêm resultados positivos, devem-no exatamente
aos grandes condutores estratégicos de equipes -tais como
Telê Santana e Ademar Pimenta, que de um futebol de
nível A fazem nascer craques
de nível A, e vice-versa.
Ademar Pimenta... Nenhum
comentarista se deu conta do
grande significado -para o
nosso futebol- desta Copa do
ex-penta. Pois ela se deu 60
anos depois da jornada heróica de 1938, obra, entre outros,
de Leônidas, Domingos da
Guia, Tim, Patesko, Hércules.
E Ademar Pimenta, sempre de
boné. No segundo jogo, contra
a Tchecoslováquia, houve empate, que persistiu na prorrogação e que foi um massacre
de cansaço e botinadas. Novo
jogo. O técnico botou em campo o time Azul, o time B, reserva, inteirinho (à exceção de
Leônidas). E venceu. Perdemos
da Itália, no jogo seguinte,
mas conquistamos o terceiro
lugar ao vencer a Suécia. Esta
foi nossa primeira grande seleção. Depois, houve mais quatro: as de 58, 62, 70 e 82.
Espantoso Zagallo! Jamais se
viu, em toda a história do futebol, caso parecido, qual seja: o
de uma tal mediocridade ter
chegado tão longe. E dizer que
ainda outro dia, após a enganosa ultrapassagem da Holanda, até comentaristas sérios
chegaram a dar-lhe nota 10!
Esqueceram-se da derrota
diante da Noruega, esqueceram-se de que o goleiro da Dinamarca tomou gol (Rivaldo)
perfeitamente defensável, esqueceram-se das seguidas
atuações medíocres de Ronaldinho, Bebeto, Leonardo, Roberto Carlos, esqueceram-se...
A Hybris, braço vingativo do
Destino, abateu-se sobre a arrogância demagógica de Zagallo, precipitando-o na gosma da própria incompetência.
E qual terá sido a parte da
CBF nessa história? Tomamos
um baile dos leves e sutis gauleses, que vivificaram um esquema de jogo simples e claro,
criado pelo coreógrafo Jacquet.
Que mais nos resta? Lembrar
dois poetas portugueses: "Um
fraco rei faz fraca a forte gente" (Camões) e "Se nada mais
te resta / que um ar de fim de
festa / sabendo bem demais
que a festa não foi tua..." (José
Régio). E traduzir, aproximadamente, o título desta crônica-epitáfio: "Brasil...lero-lero".
Décio Pignatari é poeta concretista e professor
aposentado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP
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