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São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2003

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Atleta define revezamento e vai ao pódio pela 19ª e última vez em Pans

Com prata, Borges fecha sua coleção de medalhas

DOS ENVIADOS A SANTO DOMINGO

Da sacada de seu apartamento, Gustavo Borges contemplou a vista da Vila Pan-Americana. Percebeu que a arquitetura dos prédios lembrava a dos alojamentos onde ficou hospedado em Havana, nos Jogos de 1991.
Passou a recordar, então, sua participação naquele evento. As primeiras medalhas, os recordes, a surpresa de se tornar um ídolo nacional aos 18 anos.
Súbito, interrompeu a onda de nostalgia e decidiu dormir.
"Não é bom ficar pensando no passado numa hora dessas. Estou no meio de uma competição e preciso ficar concentrado. Quando penso em como será a minha vida sem a natação, fico completamente perdido", contou.
Só que, na estada em Santo Domingo, foi inevitável rememorar o primeiro Pan e os outros detalhes da trajetória nas piscinas.
Foi na República Dominicana que Borges, 30, disse o primeiro adeus. Nadou nos Jogos pela quarta vez, ajudou a natação a conquistar 21 medalhas (recorde da modalidade) e fechou a participação mais vitoriosa de um atleta brasileiro no torneio.
O último capítulo foi escrito ontem. No revezamento 4 x 100 m medley, ele obteve a medalha de prata, a 19ª de seu garimpo particular. No total, são oito de ouro, oito de prata e três de bronze.
Ainda não é a aposentadoria definitiva. Ele cogita nadar a Olimpíada-2004, mas não quer pensar nisso agora. "Vou tirar férias, curtir a Bárbara [mulher], o Gustavinho e a Gabriela [filhos]. Tenho até maio de 2004 para decidir."
No período de descanso, quer aproveitar também para dar vazão às lembranças que surgiram na Vila de Santo Domingo.
Lembranças como as da primeira medalha, obtida num torneio escolar realizado em Ituverava, interior de São Paulo.
Representando a Escola Estadual Capitão Antônio Justino Falleiros, Borges terminou em terceiro nos 50 m livre, atrás de Fernando Fangione e Renê Bertelli. Corria o ano de 1979, e Pirulito -apelido que ostentava por causa do corpo esguio e da grande cabeça- ainda dava suas primeiras braçadas na piscina.
Borges não nasceu na cidade dos pais. Como havia risco no parto, a professora Diva e o empresário Jovino decidiram rumar para Ribeirão Preto, a 100 km de Ituverava.
Mas a estrutura da maternidade Sinhá Junqueira, no Hospital São Francisco, nem foi usada naquele 2 de dezembro de 1972. Não houve problemas e Gustavo, um bebê robusto de 54 cm e 4,525 kg, foi para Ituverava no dia seguinte.
O interesse pela natação, modalidade que os amigos praticavam, começou por volta dos oito anos. Só que os treinamentos sérios, com hora marcada e responsabilidade, só vieram em 1985.
Na época, a agenda era complicada. Duas vezes por semana, o técnico Luiz Carlos Soares, o Bola, precisava ficar em Franca, outra cidade do interior paulista.
Para não atrapalhar o planejamento do filho, dona Diva colocava o garoto no carro e guiava pacientemente de sua casa até a Associação Atlética Francana.
Com apoio da família, Borges seguiu sua peregrinação. Chegou à capital em 1990, defendeu o Pinheiros e rumou para os EUA no ano seguinte. Nadou na Bolles Scholl, em Jacksonville (Flórida), e na Universidade de Michigan.
Foi em três oportunidades para a Olimpíada -Barcelona-1992, Atlanta-1996 e Sydney-2000- e trouxe quatro medalhas.
De cada viagem, de cada conquista, guardou uma história. Mas, no dia de sua última prova em um Pan, não queria que as memórias atrapalhassem sua concentração. Procurou, então, seguir a rotina normal de todos os torneios. Acordou às 7h e tomou um café reforçado, com batata, ovos mexidos e suco de laranja.
Depois, aceitou o desafio de Marcelo Tomazini e Eduardo Fischer para jogar truco. A parceria com Fernando Scherer deu certo, e Borges venceu o embate.
Almoçou por volta das 12h15, voltou para o apartamento e descansou durante à tarde. Às 18h, seguiu para o centro olímpico. No caminho, conversou rapidamente sobre detalhes da prova.
Cumpriu, na piscina, o aquecimento de sempre. Nadou cerca de 1.000 m bem devagar, para soltar os músculos. Depois, fez alguns tiros de 25 m e simulou as condições da prova. No final, mais 300 m para relaxar.
Antes de competir, acompanhou os outros brasileiros. Thiago Pereira, 17, conquistou sua segunda prata, nos 200 m medley, com 2min02s31, novo recorde sul-americano. Flávia Delaroli, 19, também ganhou prata nos 50 m livre, com 25s44, índice olímpico.
A largada do revezamento 4 x 100 m medley teve problemas. O cronômetro só disparou quando os atletas já estavam na água. Enquanto os primeiros integrantes nadavam, Borges colocou e tirou os óculos quatro vezes.
Após sair junto com o rival canadense e virar os primeiros 50 m em desvantagem, o brasileiro fez valer o apelido de "Senhor Revezamento" e garantiu, na batida de mão, a prata com 3min41s02 -dez centésimos de vantagem sobre o adversário. "Não perderia do cara de jeito nenhum." (EDUARDO OHATA, GUILHERME ROSEGUINI E JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO)


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