São Paulo, terça-feira, 17 de outubro de 2000

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FUTEBOL
A batalha de Itararé

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Itararé é o nome de um simpático município que fica no sudoeste do Estado. Tem um clima ameno e 45 mil habitantes que, provavelmente, sabem tudo da vida uns dos outros.
Como boa parte das cidades brasileiras, Itararé tem uma origem bonita: a vila surgiu como ponto de parada dos bandeirantes que iam trucidar guaranis catequizados pelos jesuítas.
A cidade, como não podia deixar de ser, tem um time (equipe que, este ano, não fez boa campanha no Campeonato Paulista da Série B-2). Na sua chave, o Itararé foi tão mal que só não ficou atrás do Iracemapolense, de Iracemápolis, e do Elosport, que eu sinceramente não sei de onde é.
Itararé é também a insígnia acoplada ao nome de Aparício Torelly, editor do jornal "A Manha", grande pensador brasileiro e autor de frases antológicas como "Pobre quando come frango, um dos dois está doente" e "Dize-me com quem andas e te direi se vou contigo".
Mas Itararé dá nome também a uma grande batalha, a grande batalha do movimento político de 1930, que colocaria frente a frente as tropas simpáticas ao grupo revolucionário liderado por Getúlio Vargas e os esquadrões fiéis ao presidente Washington Luís.
A notícia desse confronto inevitável correu de boca em boca, foi citada na imprensa e ajudou a formar um tenebroso clima de guerra civil. Soldados se dirigiam para o front, mães rezavam por seus filhos, crianças ficaram à beira da orfandade e mulheres anteviam os dias da viuvez.
Os dois exércitos marchavam um ao encontro do outro e, pelos cálculos dos estrategistas, a grande carnificina deveria acontecer em Itararé. Quando o rio de sangue deveria começar a correr, no entanto, intensos boatos começaram a chegar às trincheiras: eles davam conta de que o movimento revolucionário ganhara a simpatia do povo, o presidente fora deposto e as tropas leais ao governo estavam desertando. Diante dos novos fatos, o exército pró-Washington Luís resolveu aderir ao espírito do tempo.
Assim, o terrível, o tão anunciado confronto não aconteceu.
Tive uma sensação parecida com a da Batalha de Itararé no último sábado, quando fui à Vila Belmiro assistir a Santos x Vasco.
Nos dias anteriores ao jogo, a imprensa fez o que pôde para criar um clima de duelo entre Romário e Edmundo. Era, afinal, a chance de se levar alguma emoção a essa inacreditável chatice chamada Copa João Havelange.
Por sorte também, havia bons antecedentes do ponto de vista promocional: os dois eram inimigos mortais, tinham contas a acertar e fariam, do jogo, a ocasião para provar quem era o maior. Nas tevês se usava e abusava de declarações antigas de um contra o outro. Pavio curto e incontinência verbal fazendo a festa dos noticiários esportivos.
Sentei-me e esperei pelas grandes jogadas. Esperei, esperei e acabei não vendo nada.
Romário esteve apagado, sonolento; jogou um futebol de burocrata; parecia que não via a hora de ir para o chuveiro e pegar o avião de volta. Edmundo até que se esforçou, mas esteve longe dos seus melhores dias. Como se isso não bastasse, conseguiu errar dois pênaltis. Guardadas as devidas proporções é como se um soldado errasse duas vezes o tiro na hora de um fuzilamento.
No fim, a sensação era a de se ter comprado gato por lebre. Não houve duelo, não houve lances antológicos e, em muitos momentos, não houve nem sequer um bom jogo de futebol.
O Vasco tem, ao lado do Cruzeiro, o melhor esquadrão da atualidade, mas, principalmente do meio-campo para trás, não chega a empolgar. O Santos cresceu e, em relação aos últimos jogos, até que se saiu bem, porém continua devendo regularidade e um futebol mais compatível com sua folha de pagamento.
Se der a lógica, os dois times estarão na próxima fase e aí terão que mostrar mais equilíbrio e apetite para vencer seus jogos. Se se enfrentarem de novo, talvez tenhamos uma verdadeira batalha, pois o que eu mais temo é que se confirme uma das máximas do Barão de Itararé, aquela que diz: "De onde menos se espera é que não sai nada mesmo".

E-mail torero@uol.com.br



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