São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 2000

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FUTEBOL
Futebol, negócio e paixão

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

O profissionalismo iniciou no Brasil em 1933. Na verdade, durante muito tempo o futebol foi semiprofissional. O verdadeiro profissionalismo ainda não começou.
Nos tempos antigos, o futebol era mais divertido e criativo. Uma brincadeira alegre e irresponsável. Os jogadores pouco treinavam e atuavam menos. Não havia o amor à camisa, tão falado hoje pelos saudosistas.
Hoje, o futebol é um grande negócio. Alguns poucos jogadores ganham fortunas. Muitos ainda comportam-se como amadores. Reclamam de seus direitos, mas não cumprem suas obrigações.
Os jogadores querem faturar cada dia mais. Para isso, jogam mais que o permitido por lei. Submetem-se aos desejos dos clubes. O motivo alegado pelo Vasco, para não atuar contra o Cruzeiro (mínimo de intervalo de 66 horas entre as partidas) foi correto, mas oportunista. Ninguém acredita que a decisão foi espontânea e partiu dos jogadores.
É a segunda vez que o sindicato age a favor do Vasco.
Jogadores e sindicatos deveriam aproveitar o momento e não jogar mais com intervalo menor de 66 horas. Isso obrigaria os clubes a mudar o calendário.
Os torcedores conhecem os truques, malandragens de dirigentes e jogadores. Não suportam ver os dirigentes pisotearem o regulamento, nem os jogadores beijarem escudos de seus clubes, jurar amor eterno e correr atrás de bolas perdidas. Querem autenticidade. Menos marketing. Mais profissionalismo e bom futebol.
O torcedor não acredita na honestidade da maioria das pessoas que trabalha no futebol. Tem razão. Houve tanta maracutaia, que o futebol perdeu a credibilidade. Esse é um dos principais motivos da ausência de público nos estádios.
O torcedor está dividido. Sonha com o romantismo e amadorismo de outras épocas, mas sabe que se não houver verdadeiro profissionalismo, o futebol não se organizará e não irá para frente.
Ao mesmo tempo, o público brasileiro não está preparado para a transformação do futebol em um negócio. Não é somente a razão que comanda a atividade humana. São também os códigos inconscientes de comportamento.
Não se mudam esses códigos por decreto, quando se quer. É preciso várias gerações para que a transformação seja assimilada e incorporada. Os empresários citam os EUA como exemplo de profissionalismo. Não se pode comparar a sociedade americana, com longa experiência de capitalismo e cidadania, com a atual brasileira. Aqui, de um lado impera o capitalismo selvagem. De outro, o preconceito contra o lucro.
A sociedade brasileira vive um momento anárquico. Perdeu as referências éticas. Sua postura oscila entre o moralismo e a permissividade. O futebol reflete a sociedade. O esporte brasileiro está mudando, assim como o país . Lentamente, mas está. O governo precisa acelerar as transformações. Estamos aprendendo ser cidadãos. Não dá mais para um ser mais esperto que o outro. A maioria perde com isso.
Esta semana, comprei, pela primeira vez, meu remédio genérico. Paguei metade do preço. Mais um pequeno sinal de mudança. Por outro lado, existem denúncias de que o governo, em vez de distribuir remédios genéricos, compra os comuns, da indústria farmacêutica. Será possível?
O modelo brasileiro, comum na sociedade e no futebol, terá que mudar. Ele é baseado na troca de favores e na perpetuação de poder entre amigos e parentes e na lei do mais esperto. As CPIs e os Ministérios Públicos iniciaram as mudanças. Esperava-se que o clube-empresa fosse a solução para o futebol brasileiro. Não foi. Além das mudanças na Lei Pelé, que prejudicaram os investimentos, os empresários não entendem de futebol. Entendem de negócios.
Para um clube ser bem administrado, não é necessário, obrigatoriamente, se tornar empresa. É preciso criar um calendário decente, trocar a instituição do passe por uma multa rescisória, pagar os profissionais de acordo com as arrecadações, mudar a legislação, responsabilizar os dirigentes e contratar profissionais executivos, de preferência com história no esporte.
Os investidores não podem esquecer que o futebol, antes de ser bom produto, é uma grande paixão. Essa, tem seus próprios caminhos.

Ontem jogaram Cruzeiro e Vasco. A primeira partida entre São Caetano e Grêmio foi espetacular. O time do ABC fez três gols e poderia ter feito seis. Adhemar fez um golaço. O Grêmio, graças ao talento individual do Ronaldinho, fez dois e poderia ter feito quatro. O primeiro foi com a marca dos excepcionais jogadores.
Hoje, se o São Caetano mudar suas características e jogar na defesa, perde. Caso contrário, o resultado é imprevisível.

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