São Paulo, sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

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XICO SÁ

Clube da luta, luta de classes


Em São Paulo, terra de baladas radiosas, vivem um torcedor triste e seus cartolas melancólicos


AMIGO TORCEDOR , amigo secador, o certame da aldeia Piratininga começa e uma coisa fica patente: a incapacidade do futebol paulista de fazer festa. Numa cidade que desopila e celebra a vida, nas pistas de dança 24 horas e na maior boemia que se tem notícia nos delirantes trópicos desde 1500, a arte ludopédica dificilmente tem a alegria explosiva de outras praças.
Numa terra de baladas radiosas, vivem um torcedor triste e seus cartolas melancólicos, diria o titio rico e estudioso Paulo Prado, antes de tudo um são-paulino tingido pelos cifrões da cafeicultura passada e o pó-de-arroz presente dos preconceitos atualizados. Sim, sou a favor da luta de classes, mas sem ressentimentos, please, pelo menos por enquanto, pelo menos essa noite não, como canta o amigo Lobão, essa noite não.
Descanse em paz, titio, que o senhor não tem que pagar por isso, muito menos pela incapacidade dionisíaca da federação paulista e seus asseclas. Mas quem foi ver Portuguesa x Santos danou-se de tédio e banzo, vixe. A tentativa da FPF de ser festiva é tão contagiante como os bonecos movidos a vento em postos de gasolina, com perdão às criaturas de plástico, tadinhos sem alma, oxe!
Nem falo pelo futebol, o jogo-jogado, lambari é pescado. Na estréia, nem se fala mesmo. Começo de temporada, como diz o mais impiedoso dos céticos, até mesmo Neto, o melhor e mais sincero comentarista da TV, é isso, peleja terrível, e a Lusa venceu em compasso de fado, Amália Rodrigues, óbvio: "Ai, Mouraria, dos rouxinóis nos beirais,/ dos vestidos cor-de-rosa,/ dos pregões tradicionais...". Falo da tentativa de ser festivo. Bem que o moço do Exaltasamba tentou, num pagode-soul-feijuca, patriótico, animar a tertúlia. Foi a melhor interpretação do Hino Nacional que vi na vida -saudade zero de Fafá de Belém e suas pombas na campanha tortuosa e brega das Diretas!-, juro pelo lábaro estrelado, mas não teve jeito, a noite de verão estava perdida.
Ainda bem que Icasa x Guarani, com o Romeirão de Juazeiro do Norte pegando fogo, foi festa de verdade e eu estava dentro. Ainda bem que Sport x Salgueiro fez da Ilha do Retiro arte, como me conta o menino Rodrigo, e arte como promessa de felicidade besta de sábado; ainda bem que o Vitória da Conquista é a graça do Baiano; ainda bem que nem começou o Carioca, que é festivo mesmo, para o mal ou para o bem, porque a alegria é a prova dos nove, para citar um dos rivais do meu titio Paulo, meu titio "loki" Oswald, com quem tanto passeio em sonhos no seu Cadilac verde pelas alamedas dos Campos Elíseos; ainda bem que vai começar o Mineiro, como o Gaúcho, certames cujas torcidas são maiores que os clubes, sem se falar no Maranhense, que será dominado, ponta a ponta, pelo Bode Gregório, apelido do glorioso Maranhão Atlético Clube, o campeão MAC, também conhecido como "o machão da Ilha", o mais charmoso time do país.
Que o Paulista nos reserve alguma festa, quem sabe os ex-bad-boys internados no Morumba, novo purgatório da divina comédia ludopédica, quem sabe o Imperador contra o poderoso Sertãozinho, quem sabe os guerreiros de Mano Menezes, sábio que só contratou losers, anti-heróis rodados com fome de bola, de consolo e de fama tardia, quem sabe?

xico.folha@uol.com.br


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