São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 2001

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Futebol e pecuária levam personalidades do esporte ao coração do Brasil

A cidade de Leão, Farah e Biro-Biro

FÁBIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A BARRA DO GARÇAS

O engarrafamento de bicicletas na entrada do estádio José Valeriano Costa anunciava o evento. Eram 18h15 da última quarta-feira quando a atração da tarde, o ex-jogador corintiano Biro-Biro, chegou ao local.
Chovia fino em Barra do Garças, o que não impediu a queima de fogos nem espantou os cerca de cem torcedores e a imprensa.
Biro-Biro, o novo técnico do Barra Esporte Clube, entrou no precário estádio acompanhado do responsável pela sua contratação, o vice-presidente e mais ativo dirigente da equipe, Eduardo José Farah Filho.
Centro geodésico (o ponto mais central) do Brasil, a pequena Barra do Garças, em Mato Grosso, com 60 mil habitantes, consolidou nesse ato a sua condição de centro do poder e do folclore do futebol do país -como se, aqui, esses dois substantivos não estivessem fundidos.
É lá, a 500 km de Cuiabá e a 411 km de Goiânia, que o dono do cargo mais importante desse esporte -o técnico da seleção brasileira, Emerson Leão- possui três fazendas de gado, duas delas em sociedade com a mulher de um dos mais influentes dirigentes do país, Eduardo José Farah, presidente da Federação Paulista de Futebol e pai do novo vice-presidente do Barra do Garças.
Nas escrituras das propriedades, a sócia de Leão é Josefina Zampietro Farah, casada com o dirigente paulista em comunhão total de bens.
Até chegar ao estádio Zeca Costa, Biro-Biro penou.
Naquela mesma quarta de manhã, viajou num Fokker 100 de São Paulo a Goiânia. Esperou quatro horas no aeroporto e embarcou em outra aeronave, um turboélice monomotor Caravan, com capacidade para 12 passageiros. Demorou mais uma hora e meia, boa parte do tempo sob uma turbulência desesperadora para o porte do avião, até descer em Barra do Garças, às 17h55.
Farah Filho o aguardava na pista do aeroporto.
A recepção a Biro-Biro no estádio municipal formava um painel sociocultural da cidade.
Nem Leão nem Farah pai foram, mas lá estavam Valdon Varjão (dono do cartório, ex-prefeito, ex-senador, ex-vereador, ex-deputado e autor da lei, sancionada pela prefeitura em 95, que reservou uma área para a construção de um aeroporto para discos voadores na cidade, cercada pela mística e lendária serra do Roncador), Zé Poeta (versejador popular, que saudou: "Biro-Biro, nós gostamos do seu estilo" e "Nós vamos vibrar de emoção, se ele fizer nosso time campeão, inclusive seu Valdon Varjão") e Vílson Saldanha (desempregado, pleiteando o cargo de massagista: "Gosto de pegar num lugar da pessoa e tentar resolver o problema").
A algazarra se justificava. Com Farah Filho e Biro-Biro, o Barra, que, licenciado, não disputou o Campeonato Mato-Grossense em 2000, voltará ao torneio este ano.
Em janeiro, o deputado estadual Alencar Soares Filho, líder do PSDB na Assembléia Legislativa, foi eleito presidente do clube.
Cumprindo o mandato parlamentar em Cuiabá, deixa as tarefas do time para Farah Filho, seu amigo e vice-presidente, diretor do Guarani por 12 anos.
Quando decidiu se mudar definitivamente de Campinas para Barra do Garças, há dois anos, para administrar as cabeças de gado de Leão e de seus pais ("pouquinhas", segundo ele; milhares, segundo pecuaristas da cidade), andava esgotado da atividade.
"Eu tinha jurado que não voltaria ao futebol, mas o deputado Alencar insistiu muito. O clube é uma diversão para a cidade, estava fechado. É aquilo que se diz: tudo pelo social", afirmou Farah Filho sobre a recaída.
A realidade do Barra é a antítese da megalomania que marca as administrações de Farah pai.
Fundado em 1978, o clube tem num quarto lugar no Estadual de 1996 o seu maior feito até hoje.
Em 1998, disputaria a Série B do Brasileiro, mas, por uma dívida com o Santos, foi impedido pela CBF de jogar. Em seu lugar entrou o Gama, que acabou campeão e, no ano seguinte, fez história ao derrotar a CBF nos tribunais.
Ironicamente, o Santos vai ajudar a reabrir o time. Da equipe do litoral paulista chegarão nos próximos dias alguns jovens jogadores para o Barra. O Guarani também emprestará atletas.
Biro-Biro, contratado pela amizade que fez com Farah Filho quando atuou no Guarani, não viu nenhum dos possíveis reforços em atividade. Tudo o que acompanhou até agora foram dois treinos físicos com 30 jogadores de Barra do Garças que, após uma "peneira", se juntarão aos contratados de São Paulo.
Na primeira atividade, quinta-feira passada de manhã, o preparador físico Valdir Dantas, indicado por Biro-Biro, com quem trabalhou na Mauaense (SP), fez os atletas correrem por quase duas horas, sob um calor extenuante, numa pequena pista de atletismo.
Um dos destaques do teste foi a cadela Princesa, que correu com o grupo quase todo o tempo.
"Todo time tem um cachorro, pode reparar. Clube grande não tem porque não deixam entrar, mas em cidade do interior é normal", afirmou Dantas.
Porém até o dono de Princesa, o volante Jackson, 20, ficou surpreso. "É difícil explicar esse preparo. Nunca tinha visto ela fazer isso."
Princesa pode até se transformar em mascote do Barra, mas Jackson terá que se superar para ganhar uma vaga no time. Pelos cálculos de Biro-Biro e de Dantas, no máximo dez jogadores da cidade serão aproveitados.
"Está todo mundo empenhado em conseguir um lugar ao sol. Agora é um trabalho novo, com um pessoal capacitado, o Biro, o Farah. Tudo o que passou para trás ficou no esquecimento", afirmou Jackson, aludindo à sua passagem por Ituano e Lençoense, ambos de São Paulo.
Destaque do grupo, o atacante Coelho, 18, cujo sonho é jogar no São Paulo, é realista: "Meu nome está sendo muito cogitado na imprensa, todo mundo me conhece, mas vai depender do Biro-Biro".

Soldados
Na margem goiana do rio Araguaia, na cidade de Aragarças, de onde se avista Barra do Garças, um grupo de rapazes pescava.
Só fisgavam bagre miúdo. Um deles se assustou ao ver o pelotão azul marchando na praia do rio e brincou: "Não sabia que o Exército tinha voltado para cá", disse, lembrando os tempos da expedição Roncador-Xingu, quando, nos anos 40, os militares desbravaram aquela região.
Era somente a segunda atividade do Barra sob o comando de Biro-Biro, novamente um treino físico, desta vez na areia fofa do rio.
Enquanto Biro observava o treino, se aproximou um rapaz. Era o zagueiro Cristiano, 25. Ex-jogador do Barra, está trabalhando num frigorífico, abatendo bois. Quer voltar a jogar, mas depende da licença do patrão. Ganha R$ 450 mensais, gostaria de receber "quatro salários e meio (R$ 679,50)". Mas depende da análise que Biro fará do seu futebol.
Apenas uma coisa é certa no Barra. Quem jogar vai ganhar pouco. "Vão ser salários baixos. E quando falo baixo não é R$ 2.000, mas R$ 300", disse Farah Filho.
O dinheiro, declarou o dirigente, virá do deputado Alencar, com o apoio de comerciantes locais.
A prefeitura entrará com a reforma do estádio, hoje aos cacos, e, talvez, uma cota de patrocínio.
O Estadual começa em 3 de março, mas o Barra só estréia no dia 11, em casa, contra o atual campeão, o Juventude de Primavera do Leste.
Como o time está em formação, e o estádio, em reforma, os novos dirigentes do Barra solicitaram o adiamento. A Federação Mato-Grossense consentiu.



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