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São Paulo, terça-feira, 18 de fevereiro de 2003

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FUTEBOL

A "esfiha" nossa de cada dia

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Eu poderia falar sobre a classificação antecipada de União Barbarense, Portuguesa Santista e São Caetano para as quartas-de-final do Paulista. Poderia, mas não vou.
Eu poderia falar da vitória do Corinthians, da ressurreição são-paulina e até da esquizofrênica sina do Santos, um time que dentro em breve pode estar disputando, ao mesmo tempo, o "Torneio da Morte" e a Taça Libertadores. Poderia, mas não vou.
Não vou porque pretendo comentar a mais extraordinária notícia deste fim de semana. Você perguntará, curioso leitor, qual a mais extraordinária notícia desse fim de semana? E eu responderei: a matéria publicada pela Folha no domingo, segundo a qual Abílio Barbosa Pires, conselheiro da Lusa, resolveu bancar, do próprio bolso, cem torcedores de aluguel. Em troca de um ingresso, uma esfiha, um refrigerante e uma ajuda de custo para a condução, esses lusos-novos têm dado seu apoio ao time rubro-verde.
Não pensem que farei invectivas contra Pires. Eu o acho, ao contrário, um profundo pensador. Além de ter tomado uma iniciativa que associa combate à fome e lazer, ele está lançando as bases de um novo movimento no seio do futebol, um movimento que alcança o único segmento do negócio ainda aferrado aos tempos do amadorismo: o torcedor.
Naturalmente, as pessoas que procuraram Pires (cerca de 500, segundo a reportagem) torcem para outros times. Devem ser corintianos, palmeirenses, são-paulinos ou santistas, mas estão abrindo e ampliando seus corações, e seus bolsos, para torcer pela Lusa. Em vez de apoiar ídolos de costume, sentam-se nas arquibancadas do Canindé e começam a gritar por Elder Granja, Alex Alves e um punhado de jogadores cujos nomes talvez nem saibam.
Uns dirão que isso é prostituição futebolística, outros, que é mercenarismo. Direi apenas que é a capacidade de se adaptar à atual ordem econômica. Se podemos vender nossa força de trabalho, nossa criatividade e até nossa consciência, por que não poderíamos vender nosso entusiasmo? Nada mais condizente com o espírito do tempo, nada mais ilustrativo do triunfo capitalista, que ignora valores éticos e estabelece, como parâmetro da felicidade, a busca e a obtenção do lucro.
Claro que, no começo, a nova situação vai gerar pequenas estranhezas. Imagine, por exemplo, um corintiano assistindo a um jogo da Lusa contra o seu Timão. Provavelmente ele vai sentir um certo desconforto no começo, mas, no fim, mandará os escrúpulos para escanteio e dirá:
- Bem, eu sou um profissional, a carreira de torcedor é curta, e eu tenho que dar o "melhor de si" pela equipe que paga o meu salário.
Se os jogadores podem dizer isso a toda hora, por que não os torcedores?
Não sejamos hipócritas. Aceitemos os fatos e admitamos que os torcedores também têm direito a uma fatia do grande bolo (ou esfiha) do futebol. Alguns, entre os que vierem a se destacar, podem até mesmo negociar contratos, dar entrevistas e aparecer nas capas das publicações esportivas, sendo um alvo de atenção tão cobiçado quanto dirigentes, técnicos e atletas.
Sim, meus amigos, primeiro foram os jogadores, depois os juízes, então os dirigentes e, agora, em alguns clubes, até os conselheiros. Pois agora é a vez dos torcedores. O profissionalismo chegou a todos os cantos do estádio.

H
Heleno brigava com os adversários, com o juiz, e, às vezes, até com seus próprios companheiros. Porém como era o melhor jogador de Espumoso, todos perdoavam seu gênio ruim. Menos Norminha. Ela disse que só namoraria com Heleno se ele melhorasse seus modos. Sanguíneo, mas apaixonado, Heleno aceitou. Já no primeiro jogo apareceram mudanças: Heleno não fez uma falta, não deu um empurrão, não soltou um palavrão. Em compensação, não fez nenhum gol. Não foram poucas as cartas anônimas que Heleno recebeu após esse dia. Umas diziam que Norminha tinha mais amantes do que dedos, outras que era um homem travestido, outras ainda que era a encarnação do diabo. No dia em que ela deixou Espumoso, difamada e cabisbaixa, Heleno derramou uma lágrima. E a cidade festejou.

E-mail torero@uol.com.br


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