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FUTEBOL
A "esfiha" nossa de cada dia
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Eu poderia falar sobre a
classificação antecipada de
União Barbarense, Portuguesa
Santista e São Caetano para as
quartas-de-final do Paulista. Poderia, mas não vou.
Eu poderia falar da vitória do
Corinthians, da ressurreição são-paulina e até da esquizofrênica
sina do Santos, um time que dentro em breve pode estar disputando, ao mesmo tempo, o "Torneio
da Morte" e a Taça Libertadores.
Poderia, mas não vou.
Não vou porque pretendo comentar a mais extraordinária
notícia deste fim de semana. Você
perguntará, curioso leitor, qual a
mais extraordinária notícia desse
fim de semana? E eu responderei:
a matéria publicada pela Folha
no domingo, segundo a qual Abílio Barbosa Pires, conselheiro da
Lusa, resolveu bancar, do próprio
bolso, cem torcedores de aluguel.
Em troca de um ingresso, uma esfiha, um refrigerante e uma ajuda
de custo para a condução, esses
lusos-novos têm dado seu apoio
ao time rubro-verde.
Não pensem que farei invectivas contra Pires. Eu o acho, ao
contrário, um profundo pensador. Além de ter tomado uma iniciativa que associa combate à fome e lazer, ele está lançando as
bases de um novo movimento no
seio do futebol, um movimento
que alcança o único segmento do
negócio ainda aferrado aos tempos do amadorismo: o torcedor.
Naturalmente, as pessoas que
procuraram Pires (cerca de 500,
segundo a reportagem) torcem
para outros times. Devem ser corintianos, palmeirenses, são-paulinos ou santistas, mas estão
abrindo e ampliando seus corações, e seus bolsos, para torcer pela Lusa. Em vez de apoiar ídolos
de costume, sentam-se nas arquibancadas do Canindé e começam
a gritar por Elder Granja, Alex
Alves e um punhado de jogadores
cujos nomes talvez nem saibam.
Uns dirão que isso é prostituição futebolística, outros, que é
mercenarismo. Direi apenas que
é a capacidade de se adaptar à
atual ordem econômica. Se podemos vender nossa força de trabalho, nossa criatividade e até nossa
consciência, por que não poderíamos vender nosso entusiasmo?
Nada mais condizente com o espírito do tempo, nada mais ilustrativo do triunfo capitalista, que
ignora valores éticos e estabelece,
como parâmetro da felicidade, a
busca e a obtenção do lucro.
Claro que, no começo, a nova situação vai gerar pequenas estranhezas. Imagine, por exemplo,
um corintiano assistindo a um jogo da Lusa contra o seu Timão.
Provavelmente ele vai sentir um
certo desconforto no começo,
mas, no fim, mandará os escrúpulos para escanteio e dirá:
- Bem, eu sou um profissional,
a carreira de torcedor é curta, e eu
tenho que dar o "melhor de si" pela equipe que paga o meu salário.
Se os jogadores podem dizer isso
a toda hora, por que não os torcedores?
Não sejamos hipócritas. Aceitemos os fatos e admitamos que os
torcedores também têm direito a
uma fatia do grande bolo (ou esfiha) do futebol. Alguns, entre os
que vierem a se destacar, podem
até mesmo negociar contratos,
dar entrevistas e aparecer nas capas das publicações esportivas,
sendo um alvo de atenção tão cobiçado quanto dirigentes, técnicos e atletas.
Sim, meus amigos, primeiro foram os jogadores, depois os juízes,
então os dirigentes e, agora, em
alguns clubes, até os conselheiros.
Pois agora é a vez dos torcedores.
O profissionalismo chegou a todos os cantos do estádio.
H
Heleno brigava com os adversários, com o juiz, e, às vezes, até com seus próprios
companheiros. Porém como
era o melhor jogador de Espumoso, todos perdoavam
seu gênio ruim. Menos Norminha. Ela disse que só namoraria com Heleno se ele
melhorasse seus modos. Sanguíneo, mas apaixonado, Heleno aceitou. Já no primeiro
jogo apareceram mudanças:
Heleno não fez uma falta, não
deu um empurrão, não soltou um palavrão. Em compensação, não fez nenhum
gol. Não foram poucas as cartas anônimas que Heleno recebeu após esse dia. Umas diziam que Norminha tinha
mais amantes do que dedos,
outras que era um homem
travestido, outras ainda que
era a encarnação do diabo.
No dia em que ela deixou Espumoso, difamada e cabisbaixa, Heleno derramou uma
lágrima. E a cidade festejou.
E-mail torero@uol.com.br
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