São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 2007

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JUCA KFOURI

Uma atitude contra a altitude


Flamengo faz o que era para ter sido feito há tempos: anuncia que não jogará em condições desumanas


O FLAMENGO está coberto de razão ao comunicar que não se sujeitará mais a jogar em cidades com altitude acima do que recomendam os especialistas em medicina esportiva.
É simplesmente uma questão de respeito ao esporte e, principalmente, à saúde de seus atletas.
Já era hora de alguém fazê-lo.
Resta saber se, de fato, cumprirá o que informou em nota oficial.
Porque ninguém deve se submeter ao que o time carioca passou em Potosí, cidade boliviana que está nada menos do que 4.000 metros acima do nível do mar.
O pulmão sofre, o cérebro sofre, o raciocínio falha, o nariz arde e sangra, o corpo inteiro padece e é de se surpreender que até agora ninguém tenha morrido ao passar por tal suplício num jogo de futebol.
O médico do Corinthians, Renato Lotufo, especializado em fisiologia do exercício e um dos maiores especialistas em medicina esportiva do país, não tem dúvida em afirmar que o risco aumenta na altitude.
Parece até que a Fifa está só à espera de que alguém morra.
É claro que há o outro lado, o das populações que vivem nessas condições e o dos clubes que ficariam impedidos de receber visitantes.
Sem dúvida, um problema. E sem solução satisfatória para eles, que teriam de jogar em altitudes que não afrontem a ciência do esporte.
Na Bolívia, por exemplo, Santa Cruz de la Sierra fica ao nível do mar para efeitos de competição. Não há o que justifique que a seleção boliviana jogue em La Paz, 3.600 metros de falta de ar. Aliás, há: é quase a única maneira que o time tem para vencer.
Como, por sinal, fez ao quebrar a invencibilidade brasileira em jogos das eliminatórias para a Copa do Mundo, em 1993.
Nos últimos três minutos da partida, a altitude marcou dois gols, um deles contra do goleiro Taffarel, inteiramente sem coordenação motora àquela altura dos acontecimentos, embriagado.
E não é desculpa de perdedor, faça-me o favor. Porque no jogo de volta, lembremos, a Bolívia tomou uma goleada de meia dúzia de gols a zero, no Recife, onde quem vive na altitude não sofre nenhum tipo de problema, ao contrário.
E o Brasil foi tetracampeão mundial no ano seguinte.
Seria uma lástima para o Real Potosí ter de jogar fora de sua cidade? Seria, sem dúvida, mas paciência. Porque eis aí um direito que as minorias não têm, o de sujeitar a maioria ao sofrimento desumano.
Sim, é também penoso e muitas vezes selvagem obrigar que se jogue no frio ou no calor excessivos. Mas o padecimento da altitude é incomparável, é um horror como se viu no empate do Flamengo na quarta, um espetáculo muito mais dos balões de oxigênio do que de bolas de futebol. Mas lembremos, calor e frio são iguais para os dois. A altitude, não.
Há quem diga, por desinformação, que o Santos de Pelé ganhava de qualquer um em qualquer lugar, para minimizar o efeito da altitude e responsabilizar o mau futebol do visitante, que estaria apenas em busca de uma desculpa.
Mas não só o Santos de Pelé disputou apenas um jogo em La Paz pela Libertadores como nem que tivesse disputado muitos o argumento teria valor, porque o futebol de hoje exige um esforço diferente do daqueles tempos, que era muito mais cadenciado e lento.
E, no jogo que disputou, em 1962, contra o Deportivo Municipal, o placar foi uma dura vitória por 4 a 3.
Na volta, na Vila Belmiro, o Santos enfiou 6 a 1. Deu para entender?
O Flamengo, enfim, fez o que já era para ter sido feito não é de hoje.
Repita-se: que não fique na ameaça e que use de sua força para obrigar a CBF a cumprir com o papel de representante dos clubes, além de mobilizar também os argentinos.

blogdojuca@uol.com.br


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