São Paulo, quinta-feira, 18 de julho de 2002

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"Se deixarem, jogo de domingo a domingo"

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Ubiratan deixa a quadra após jogo do São José, pelo Paulista de 1981



Com 17 ou 18 anos, fui convocado para a seleção brasileira. Não tinha seleção juvenil naquela época. Fui fazer parte da equipe adulta

Nosso melhor arremessador foi o Oscar. Ele pode ter todos os defeitos, mas um você não pode falar: o de não querer treinar



MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

Na tarde de 11 de setembro, enquanto o mundo se chocava com a maior tragédia do novo século, os atentados terroristas a Nova York e Washington, o que marejava os olhos de Ubiratan era a memória do basquete.
Numa sala do Indesp, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, interrompido por boletins radiofônicos sobre o desastre, o jogador chorou ao menos três vezes ao falar de sua carreira.
Os trechos da conversa publicados a seguir fazem parte desse depoimento inédito de quatro horas, um dos três concedidos à Folha por Ubiratan no ano passado.
Em todos, chamaram a atenção seu amor pelo futebol e pelo Corinthians e sua obsessão por seguir nas quadras, uma ironia para um atleta temporão (estreou no esporte aos 15 anos, após visitar futebol e atletismo), que leva a uma conclusão prosaica: Ubiratan começou tarde, mas não acabou nunca para o basquete.

Folha - Como o sr. foi atraído pelo basquete?
Ubiratan -
O meu primeiro esporte não foi o basquete. Era o futebol. E, como qualquer garoto, eu queria ser um jogador de futebol. Joguei na rua. Eu nasci em São Paulo, tinha os campos de várzea. Naquela época, na década de 50 para 60, nós fomos bicampeões mundiais de futebol. A paixão era o futebol. Cheguei a fazer teste na Portuguesa, no início da década de 60. Mas aí, durante a minha adolescência, no colégio, participei dos Jogos Colegiais da Zona Norte, mas na modalidade de atletismo. Quer dizer, saí do futebol e fui parar no atletismo.

Folha - Em que ano aconteceu essa transição?
Ubiratan -
Aconteceu em 59. Mas eu não cheguei a participar dos Jogos porque sofri uma contusão no cotovelo, caí de mau jeito na caixa de areia. Treinava para salto em altura. Fiquei desconsolado. Quando terminaram os Jogos, recebi o convite do técnico de atletismo do Espéria. Fiquei contente, satisfeito. Garoto, 15 anos, eu recebi convite pra ir praticar atletismo num clube muito bom. Até que o meu primeiro técnico de basquete, Pedro Genevicius, me convidou para praticar basquete lá no Espéria. Por quê? Por causa do meu porte físico. Eu, com 15 anos, já tinha essa altura. Tenho 1,98 m e acho que, na época, eu tinha 1,96 m. Era um varapau. Todo desengonçado. E aí começou a minha participação no basquete. Graças a esse técnico. Saí do juvenil do Espéria já participando do aspirante e daí para a equipe adulta. Eu ainda garoto, ainda no juvenil, já participava dessas três categorias. Com 17 ou 18 anos fui convocado para a seleção brasileira. Não tinha seleção juvenil naquela época. Já fui fazendo parte da adulta.

Folha - O sr. morava onde?
Ubiratan -
Sou do Alto de Santana, na zona norte [de São Paulo".

Folha - Como era a sua vida social nessa época?
Ubiratan -
Eu tinha muito complexo. Na época não tinha muito garoto grande. Não era como hoje, que em qualquer lugar você encontra. Todo mundo mexia com você. Eu sentia isso. Ô, gigante! Depois, graças à minha participação no esporte, praticamente isso desapareceu. Eu me sentia bem, estava sendo reconhecido pelos colegas, pelos rapazes, pelas moças, no colégio, no clube. Meu pai era militar, minha mãe era empregada doméstica. Eu não tinha condições, mas frequentava o clube. Aí, meus pais saíram de São Paulo, foram morar no interior, e eu continuei morando na capital. Fui viver lá no barraco, na garagem dos barcos, no Espéria. Tinha um quartinho, e eu fiquei morando lá, sozinho. Em 61, 62.

Folha - E quando o sr. saiu de lá?
Ubiratan -
Eu comecei em 60, e em 62 eu já estava no Corinthians.

Folha - E o sr. foi para seleção no mesmo ano?
Ubiratan -
No mesmo ano. Não tinha nem começado a jogar no Corinthians, estava em estágio.

Folha - Por que o sr. saiu do Espéria e foi para o Corinthians?
Ubiratan -
Eu recebi convite dos três principais clubes na época. O Palmeiras, que tinha o Edson Bispo de pivô, o Sírio, que tinha o Succar de pivô, e o Corinthians, que estava formando uma equipe que não tinha pivô. E acho que fiz o raciocínio certo. Pensei: se eu for para o Sírio, vou ficar no banco, não vou jogar muito. Se eu for para o Palmeiras, não vou jogar muito. Agora, no Corinthians, só está o Wlamir, não tem pivô. O Amaury, o Rosa Branca foram para lá depois. Aquilo pesou muito. Além de tudo, eu sou corintiano. Eu já era corintiano. Eu jogava no Espéria, mas no futebol era Corinthians. Eu vivia no Pacaembu, tomando chuva. Eu ia atrás do Corinthians. E os principais títulos com clube eu conquistei no Corinthians. Eu tive meu sonho realizado, joguei uns nove anos. E eu acho que eu agi certo. Graças à minha ida para o Corinthians, formamos uma equipe muito boa. A base da seleção era o Corinthians. E o caminho que eu tomei foi esse. Foi mais ou menos a mesma coisa com o Oscar. Quando ele surgiu no Palmeiras, ele não diz nas entrevistas, mas ele tornou-se ala por minha causa. Ele disse: "Tem o Bira de pivô, e eu fui para a ala". São os caminhos da vida.

Folha - E como é que a seleção chegou?
Ubiratan -
Foi uma surpresa. Não esperava, porque tinha pouco tempo de basquete. Era muito novo, juvenil, e ser convocado para uma seleção adulta eu não esperava jamais. Mas o [Renato] Brito Cunha era o técnico da época. Ele me convocou, atendendo a um pedido dos jogadores. Amaury e Wlamir [mais destacados nomes do basquete brasileiro na época] falavam que tinha um garoto no juvenil do Espéria. E depois fomos colegas, jogamos juntos. Fui convocado por indicação deles. No Brasil não havia muitos jogadores altos, só de estatura mediana para alta. Tinha bons jogadores na armação e na ala, mas não havia grandes pivôs. Tinha só o Edson e o Succar.

Folha - O sr. teve dificuldade em seu primeiro contato com a bola?
Ubiratan -
Ah, sim, isso aí ocorre. Coloque-se no meu lugar: um garoto de 15 para 16 anos, sem muita coordenação. Mas o que é mais importante é querer melhorar. Se não tiver isso dentro de você, não vai conseguir ser um atleta. A vida de atleta é espinhosa. As marcas que eu tenho... Mas eu não me arrependo, não. O basquete me deu muita coisa. Conheci o mundo todo. Aliás, tive o privilégio de começar cedo na seleção, terminar tarde e continuar jogando na seleção de masters. Tenho mais alegrias do que tristezas. Só tive uma decepção, que foi de não ter participado da minha quarta Olimpíada, quando ficamos de fora no Canadá [1976".

Folha - Há quanto tempo o sr. está aqui em Brasília?
Ubiratan -
Vai fazer 11 anos. Eu vim em 90 para cá. E estou aqui com a minha vida, trabalhando, para ver se eu me aposento e continuo dentro do esporte, porque eu não vou deixar nunca de conviver com o esporte e com o basquete. Praticamente não parei de jogar. Comecei a jogar basquete com 15 anos e jogo até hoje. Continuo brincando com os masters.

Folha - O sr. tem jogado direto?
Ubiratan -
São três vezes por semana. Geralmente eu vou às terças, às quintas e aos sábados ou às terças, às quintas e sextas. A vantagem aqui em Brasília é que você pode jogar de domingo a domingo. Tem vários locais. Eu procuro me controlar. Deixando, eu fico jogando de domingo a domingo. Eu procuro jogar três vezes por semana. Quando dá, eu jogo quatro vezes. De vez em quando jogo duas vezes, vou só bater bola, mesmo por causa da condição física, para manter. E também para higiene mental. E tem essas competições de masters, que fazem você encontrar com os colegas.

Folha - Qual foi o melhor jogador que o sr. viu jogar?
Ubiratan -
Não dá para falar de um jogador. Foram vários.

Folha - Qual o primeiro jogador que o sr. chamaria para seu time?
Ubiratan -
Não dá pra pegar um jogador só, porque tem as várias posições. Por posição, tivemos um jogador completo, que jogou em todas: o Amaury Passos. O Amaury foi armador, foi ala, foi pivô. Ele tem altura, 1,90 m, um bom físico, uma boa impulsão, um arremesso muito bom. Sabia jogar muito bem no ataque, na defesa, armava bem o jogo. Foi um jogador completo. Como no basquete feminino, que tivemos Paula, uma excelente armadora, e Hortência, excelente finalizadora, nós tivemos Amaury e Wlamir. O Wlamir era um excelente finalizador. Nunca vi jogador como ele para definir partidas. Numa outra geração, o Marquinhos, que foi um excelente pivô, o Carioquinha, o Adilson. Tínhamos o Succar, o Mosquito, o Edvar, o Hélio Rubens, o Edson Bispo. Eu me espelhei demais no Edson Bispo. Ele dava muito gancho, e eu comecei a copiá-lo, a imitá-lo. E não dá para deixar de citar, claro, eu acho que o melhor arremessador nosso de todos os tempos: o Oscar. Ele se propôs a fazer isso na carreira, ser o arremessador. O Oscar pode ter todos os defeitos, mas um você não pode falar: o de não treinar. Ele treinou muito o arremesso. E o Marcel, que era um grande jogador também. Técnico, completo. Agora, o jogador que sempre se destacou, pela sua vontade, pela vibração, e eu admiro demais, eu acompanhei a carreira desde quando era garoto, sem dúvida é o Oscar. O Oscar tornou-se o grande ídolo que é no basquete graças a seu treino. E eu acompanhei isso desde que ele estava no Palmeiras, com 15 anos. Eu estava em fim de carreira. Chegamos a jogar na seleção juntos, um Pan-Americano e um Mundial. Depois eu parei, e ele continuou.



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