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"Se deixarem, jogo de domingo a domingo"
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Ubiratan deixa a quadra após jogo do São José, pelo Paulista de 1981 |
Com 17 ou 18 anos, fui convocado para a seleção brasileira. Não tinha seleção juvenil naquela época. Fui fazer parte da equipe adulta
Nosso melhor arremessador foi o Oscar. Ele pode ter todos os defeitos, mas um você não pode falar: o de não querer treinar
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MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE
Na tarde de 11 de setembro, enquanto o mundo se chocava com
a maior tragédia do novo século,
os atentados terroristas a Nova
York e Washington, o que marejava os olhos de Ubiratan era a
memória do basquete.
Numa sala do Indesp, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília,
interrompido por boletins radiofônicos sobre o desastre, o jogador chorou ao menos três vezes
ao falar de sua carreira.
Os trechos da conversa publicados a seguir fazem parte desse depoimento inédito de quatro horas, um dos três concedidos à Folha por Ubiratan no ano passado.
Em todos, chamaram a atenção
seu amor pelo futebol e pelo Corinthians e sua obsessão por seguir nas quadras, uma ironia para
um atleta temporão (estreou no
esporte aos 15 anos, após visitar
futebol e atletismo), que leva a
uma conclusão prosaica: Ubiratan começou tarde, mas não acabou nunca para o basquete.
Folha - Como o sr. foi atraído pelo
basquete?
Ubiratan - O meu primeiro esporte não foi o basquete. Era o futebol. E, como qualquer garoto,
eu queria ser um jogador de futebol. Joguei na rua. Eu nasci em
São Paulo, tinha os campos de
várzea. Naquela época, na década
de 50 para 60, nós fomos bicampeões mundiais de futebol. A paixão era o futebol. Cheguei a fazer
teste na Portuguesa, no início da
década de 60. Mas aí, durante a
minha adolescência, no colégio,
participei dos Jogos Colegiais da
Zona Norte, mas na modalidade
de atletismo. Quer dizer, saí do futebol e fui parar no atletismo.
Folha - Em que ano aconteceu essa transição?
Ubiratan - Aconteceu em 59.
Mas eu não cheguei a participar
dos Jogos porque sofri uma contusão no cotovelo, caí de mau jeito na caixa de areia. Treinava para
salto em altura. Fiquei desconsolado. Quando terminaram os Jogos, recebi o convite do técnico de
atletismo do Espéria. Fiquei contente, satisfeito. Garoto, 15 anos,
eu recebi convite pra ir praticar
atletismo num clube muito bom.
Até que o meu primeiro técnico
de basquete, Pedro Genevicius,
me convidou para praticar basquete lá no Espéria. Por quê? Por
causa do meu porte físico. Eu,
com 15 anos, já tinha essa altura.
Tenho 1,98 m e acho que, na época, eu tinha 1,96 m. Era um varapau. Todo desengonçado. E aí começou a minha participação no
basquete. Graças a esse técnico.
Saí do juvenil do Espéria já participando do aspirante e daí para a
equipe adulta. Eu ainda garoto,
ainda no juvenil, já participava
dessas três categorias. Com 17 ou
18 anos fui convocado para a seleção brasileira. Não tinha seleção
juvenil naquela época. Já fui fazendo parte da adulta.
Folha - O sr. morava onde?
Ubiratan - Sou do Alto de Santana, na zona norte [de São Paulo".
Folha - Como era a sua vida social
nessa época?
Ubiratan - Eu tinha muito complexo. Na época não tinha muito
garoto grande. Não era como hoje, que em qualquer lugar você encontra. Todo mundo mexia com
você. Eu sentia isso. Ô, gigante!
Depois, graças à minha participação no esporte, praticamente isso
desapareceu. Eu me sentia bem,
estava sendo reconhecido pelos
colegas, pelos rapazes, pelas moças, no colégio, no clube. Meu pai
era militar, minha mãe era empregada doméstica. Eu não tinha
condições, mas frequentava o clube. Aí, meus pais saíram de São
Paulo, foram morar no interior, e
eu continuei morando na capital.
Fui viver lá no barraco, na garagem dos barcos, no Espéria. Tinha um quartinho, e eu fiquei
morando lá, sozinho. Em 61, 62.
Folha - E quando o sr. saiu de lá?
Ubiratan - Eu comecei em 60, e
em 62 eu já estava no Corinthians.
Folha - E o sr. foi para seleção no
mesmo ano?
Ubiratan - No mesmo ano. Não
tinha nem começado a jogar no
Corinthians, estava em estágio.
Folha - Por que o sr. saiu do Espéria e foi para o Corinthians?
Ubiratan - Eu recebi convite dos
três principais clubes na época. O
Palmeiras, que tinha o Edson Bispo de pivô, o Sírio, que tinha o
Succar de pivô, e o Corinthians,
que estava formando uma equipe
que não tinha pivô. E acho que fiz
o raciocínio certo. Pensei: se eu
for para o Sírio, vou ficar no banco, não vou jogar muito. Se eu for
para o Palmeiras, não vou jogar
muito. Agora, no Corinthians, só
está o Wlamir, não tem pivô. O
Amaury, o Rosa Branca foram para lá depois. Aquilo pesou muito.
Além de tudo, eu sou corintiano.
Eu já era corintiano. Eu jogava no
Espéria, mas no futebol era Corinthians. Eu vivia no Pacaembu, tomando chuva. Eu ia atrás do Corinthians. E os principais títulos
com clube eu conquistei no Corinthians. Eu tive meu sonho realizado, joguei uns nove anos. E eu
acho que eu agi certo. Graças à
minha ida para o Corinthians,
formamos uma equipe muito
boa. A base da seleção era o Corinthians. E o caminho que eu tomei foi esse. Foi mais ou menos a
mesma coisa com o Oscar. Quando ele surgiu no Palmeiras, ele
não diz nas entrevistas, mas ele
tornou-se ala por minha causa.
Ele disse: "Tem o Bira de pivô, e
eu fui para a ala". São os caminhos da vida.
Folha - E como é que a seleção
chegou?
Ubiratan - Foi uma surpresa.
Não esperava, porque tinha pouco tempo de basquete. Era muito
novo, juvenil, e ser convocado para uma seleção adulta eu não esperava jamais. Mas o [Renato]
Brito Cunha era o técnico da época. Ele me convocou, atendendo a
um pedido dos jogadores.
Amaury e Wlamir [mais destacados nomes do basquete brasileiro
na época] falavam que tinha um
garoto no juvenil do Espéria. E
depois fomos colegas, jogamos
juntos. Fui convocado por indicação deles. No Brasil não havia
muitos jogadores altos, só de estatura mediana para alta. Tinha
bons jogadores na armação e na
ala, mas não havia grandes pivôs.
Tinha só o Edson e o Succar.
Folha - O sr. teve dificuldade em
seu primeiro contato com a bola?
Ubiratan - Ah, sim, isso aí ocorre. Coloque-se no meu lugar: um
garoto de 15 para 16 anos, sem
muita coordenação. Mas o que é
mais importante é querer melhorar. Se não tiver isso dentro de você, não vai conseguir ser um atleta. A vida de atleta é espinhosa. As
marcas que eu tenho... Mas eu
não me arrependo, não. O basquete me deu muita coisa. Conheci o mundo todo. Aliás, tive o privilégio de começar cedo na seleção, terminar tarde e continuar
jogando na seleção de masters.
Tenho mais alegrias do que tristezas. Só tive uma decepção, que foi
de não ter participado da minha
quarta Olimpíada, quando ficamos de fora no Canadá [1976".
Folha - Há quanto tempo o sr. está aqui em Brasília?
Ubiratan - Vai fazer 11 anos. Eu
vim em 90 para cá. E estou aqui
com a minha vida, trabalhando,
para ver se eu me aposento e continuo dentro do esporte, porque
eu não vou deixar nunca de conviver com o esporte e com o basquete. Praticamente não parei de
jogar. Comecei a jogar basquete
com 15 anos e jogo até hoje. Continuo brincando com os masters.
Folha - O sr. tem jogado direto?
Ubiratan - São três vezes por semana. Geralmente eu vou às terças, às quintas e aos sábados ou às
terças, às quintas e sextas. A vantagem aqui em Brasília é que você
pode jogar de domingo a domingo. Tem vários locais. Eu procuro
me controlar. Deixando, eu fico
jogando de domingo a domingo.
Eu procuro jogar três vezes por
semana. Quando dá, eu jogo quatro vezes. De vez em quando jogo
duas vezes, vou só bater bola,
mesmo por causa da condição física, para manter. E também para
higiene mental. E tem essas competições de masters, que fazem
você encontrar com os colegas.
Folha - Qual foi o melhor jogador
que o sr. viu jogar?
Ubiratan - Não dá para falar de
um jogador. Foram vários.
Folha - Qual o primeiro jogador
que o sr. chamaria para seu time?
Ubiratan - Não dá pra pegar um
jogador só, porque tem as várias
posições. Por posição, tivemos
um jogador completo, que jogou
em todas: o Amaury Passos. O
Amaury foi armador, foi ala, foi
pivô. Ele tem altura, 1,90 m, um
bom físico, uma boa impulsão,
um arremesso muito bom. Sabia
jogar muito bem no ataque, na
defesa, armava bem o jogo. Foi
um jogador completo. Como no
basquete feminino, que tivemos
Paula, uma excelente armadora, e
Hortência, excelente finalizadora,
nós tivemos Amaury e Wlamir. O
Wlamir era um excelente finalizador. Nunca vi jogador como ele
para definir partidas. Numa outra
geração, o Marquinhos, que foi
um excelente pivô, o Carioquinha, o Adilson. Tínhamos o Succar, o Mosquito, o Edvar, o Hélio
Rubens, o Edson Bispo. Eu me espelhei demais no Edson Bispo. Ele
dava muito gancho, e eu comecei
a copiá-lo, a imitá-lo. E não dá para deixar de citar, claro, eu acho
que o melhor arremessador nosso
de todos os tempos: o Oscar. Ele
se propôs a fazer isso na carreira,
ser o arremessador. O Oscar pode
ter todos os defeitos, mas um você
não pode falar: o de não treinar.
Ele treinou muito o arremesso. E
o Marcel, que era um grande jogador também. Técnico, completo.
Agora, o jogador que sempre se
destacou, pela sua vontade, pela
vibração, e eu admiro demais, eu
acompanhei a carreira desde
quando era garoto, sem dúvida é
o Oscar. O Oscar tornou-se o
grande ídolo que é no basquete
graças a seu treino. E eu acompanhei isso desde que ele estava no
Palmeiras, com 15 anos. Eu estava
em fim de carreira. Chegamos a
jogar na seleção juntos, um Pan-Americano e um Mundial. Depois
eu parei, e ele continuou.
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