São Paulo, sábado, 18 de setembro de 2004

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FUTEBOL

Dinheiro, diploma e dentes

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

É incrível como ainda tem gente que acredita que basta elevar o preço dos ingressos para os estádios ficarem limpos e bem equipados.
Os relatos transcritos aqui pela Soninha, anteontem, sobre o que ocorreu no Morumbi no jogo Brasil x Bolívia mostram que não é bem assim.
O poeta e compositor Carlos Rennó me contou uma história parecida. Ele pagou os tubos por lugares para a família na arquibancada e teve de assistir àquele jogo em pé porque tinham sido vendidos mais ingressos do que o setor comportava.
Quando lamentei aqui o preço do ingresso e a ausência de torcedores pobres no Morumbi, um leitor me respondeu que só assim era possível manter o estádio limpo e seguro.
Por esse raciocínio, gente sem dinheiro é sinônimo de sujeira, bagunça e violência. Nunca ficou tão claro, para mim, o preconceito de parte da elite e da classe média diante dos pobres em geral.
Só assim se explica que se prefira ver no estádio 5.000 pessoas pagando R$ 30 por ingresso a ver 30 mil pagando R$ 5, o que daria rigorosamente a mesma renda.
Vou repetir o que já escrevi aqui em outra ocasião: o que muitos querem é afastar o Brasil real dos estádios, criar uma redoma artificial de "Primeiro Mundo" num país de maioria pobre ou miserável. Essa redoma, aliás, já existe, pois foi realizada uma limpeza étnica e social delimitando áreas de acesso virtualmente exclusivo a quem tem dinheiro: os bairros salubres, os shopping centers, os cinemas, as boas escolas etc.
Dos demagogos de direita aos radicais de esquerda, dos sem-terra às redes de TV, todos discursam contra a exclusão social, mas são poucos os que se dão conta de como esse processo se dá no dia-a-dia, a cada evento banal como a elevação do preço de um ingresso, o fechamento de um cinema popular ou o fim de uma linha de ônibus na periferia.
Todo regime de exclusão é odioso. Na socialista Cuba e nas capitalistas Bahamas, há praias exclusivas para ricos e turistas, nas quais a população preta e pobre local não pode pôr os pés.
O Pelourinho, em Salvador, foi restaurado e embelezado ao preço da remoção compulsória dos antigos moradores, quase todos negros e pobres. Ficou lindo e seguro, mas é como um museu para turistas, artificial e sem vida.
Imagine o mesmo processo em escala nacional. Que tipo de país estamos criando ao varrer para as periferias cada vez mais estragadas os excluídos do banquete social? Que tipo de sociedade construímos ao privar a maioria da população dos mais básicos bens culturais e de lazer?
Haja polícia para afastar tantos seres feios, sujos e malvados. Haja cadeias para encarcerar os que se rebelarem. Haja vidro à prova de balas.
Posso ser o último otário do mundo, mas ainda acho que é possível fazer as coisas de outra maneira e que os prazeres da vida não devem ser um privilégio de quem tem dinheiro, diploma e todos os dentes.

Clube da Luluzinha
Para compensar o tom azedo da coluna de hoje, lembro um fato animador, noticiado em ótima reportagem publicada ontem neste caderno por Márvio dos Anjos: a criação da torcida organizada Sereias Santistas. Tomara que a onda pegue e que outras torcidas tenham as suas alas femininas. Os estádios com certeza vão ficar mais alegres e bonitos.

Copa dos Campeões
Dois golaços. O do brasileiro França, pelo Bayer Leverkusen contra o Real Madrid: na quina esquerda da grande área, virou o corpo, levantou a cabeça e chutou no ângulo oposto. E o de Nedved, da Juventus, contra o Ajax: Del Piero deu um passe de curva, Zambrotta escorou para o tcheco, que acertou o ângulo com rapidez e precisão.

E-mail jgcouto@uol.com.br


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