São Paulo, sábado, 18 de setembro de 2010

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JOSÉ GERALDO COUTO

De pai para filho


O caso de Neymar suscita nas pessoas desejos paternos de orientar ou de punir

É CURIOSO COMO Neymar, com seus lampejos, tropeços e cabeçadas, suscita em nós, homens de gerações anteriores, um certo instinto paterno.
Não estou falando só dos moralistas de plantão, sempre prontos a dizer como os outros devem agir. Seja com o intuito de orientar ou de punir, todos parecem ter uma palavra a dizer a Neymar.
Mas eu não tenho nenhuma. Gasto todas com meu filho, que é só um ano mais velho do que o craque santista. E muitas delas entram por um ouvido e saem pelo outro. Pelo simples fato de que meu filho não é uma mera projeção de mim. É outro indivíduo, com seus próprios medos e desejos, sua própria subjetividade.
Por algum motivo, o futebol está profundamente ligado à relação pai-filho.
No documentário sobre o São Paulo, "Soberano", que está em cartaz nos cinemas, o binômio paixão clubística/amor filial emerge em todos os depoimentos de torcedores.
Um deles afirma que só viu o pai chorar uma vez, numa derrota do tricolor. Outro lembra a primeira vez que foi ao estádio, levado pelo velho, e assim por diante.
Todo brasileiro tem uma história marcante de infância que envolve o pai (ou, na falta deste, outra figura paterna) e o futebol.
Claro que há aqueles que renegam o time do pai, escolhendo um outro qualquer, e até os que criam aversão ou indiferença ao esporte.
Mas, mesmo nesses casos, o pai é a referência básica, para o bem ou para o mal.
Não é um traço exclusivamente brasileiro, claro. Mas aqui, talvez pela fragilidade do nosso sistema educacional, o futebol assume uma dimensão pedagógica amplificada, como espaço de transmissão de valores e de aprendizado do convívio social.
Lembro a primeira vez que levei meu filho ao estádio. Foi no Morumbi, dia de estreia de Túlio Maravilha no Corinthians, contra o Flamengo.
A certa altura, um flamenguista, não sei se desavisado ou provocador, surgiu no meio da torcida do Timão com uma camisa rubro-negra. Entre tapas, safanões e cusparadas, foi obrigado a tirar não só a camisa mas toda a roupa, ficando só de cueca.
Meu filho, de olhos arregalados, perguntou o que estava acontecendo. Tentei explicar que aquilo era uma brincadeira, uma espécie de ritual pré-jogo. Mas me senti como o bobalhão do Roberto Beningni iludindo o filho em "A Vida É Bela".
Se é difícil educar o próprio filho, que dizer dos filhos dos outros?

jgcouto@uol.com.br


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