São Paulo, domingo, 18 de outubro de 2009

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Enfermeiro Pet remenda ferimentos do Flamengo

Aos 37 anos, meia comanda a reação do time carioca, rival do Palmeiras hoje

Jogador sérvio diz que vai torcer para Sérvia, Brasil, Espanha e Itália na Copa e que deve continuar no país depois de encerrar a carreira


MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

Formado auxiliar de enfermagem no ensino médio da Sérvia, Dejan Petkovic não padeceria de falta de trabalho se tivesse continuado em meio aos massacres e às guerras na antiga Iugoslávia.
Sem nunca ter exercido a profissão para a qual estudou, ele foi embora para a Espanha aos 22 anos, desembarcou dois anos mais tarde, em 1997, no Vitória-BA e nos últimos meses se dedica a remendar ferimentos do Flamengo.
Depois da ciclotimia anterior, a equipe não perde há oito partidas, planeja atingir o G4 do Campeonato Brasileiro -começou a rodada a dois pontos da vaga na Libertadores- e está a nove do líder Palmeiras, o antagonista de hoje.
Se o artilheiro rubro-negro e da competição é o "imperador" Adriano, com 15 gols, em campo o general é Petkovic.
É dos seus pés -ele chuta bem com os dois- que sai a maioria dos cruzamentos, 25,2 por jogo, aponta o Datafolha.
Aos 37 anos, idade provecta para um futebolista, Pet consagrou a condição de comandante no sábado retrasado.
O Flamengo perdia para o São Paulo por 1 a 0 no Maracanã. Na primeira cobrança de um pênalti por Pet, Rogério Ceni defendeu, mas o árbitro mandou repetir.
O lateral Éverton Silva animou-o: "Ô, pai, você é nosso ídolo. Não vai um pênalti tirar isso de você. F...-se o pênalti".
Pet converteu com classe e deu o passe decisivo para o gol da vitória. Anteontem, a manchete do recém-lançado jornal esportivo "Campeão" era "Pet vira o pai da nação". Há outros três diários esportivos no Rio, um deles dedicado exclusivamente à "nação rubro-negra".
Essa massa acolhe agora o meia que chegou em junho mais por baixo que refugiado de guerra. O então técnico do clube, Cuca, e os cartolas do futebol rejeitaram a contratação.
A direção do Flamengo a impôs, menos interessada no atleta desempregado do que em um acerto com Pet acerca de uma dívida trabalhista -a volta era condição para o acordo.
Ele topou e já marcou quatro gols no Campeonato Brasileiro. É o vice-artilheiro do time, atrás somente de Adriano.
Na virada do século Petkovic defendera o clube, pelo qual anotou o gol decisivo do Estadual do Rio de 2001 contra o Vasco -aos 43min do segundo tempo; por isso, seu número atual é o 43.
No racha político rubro-negro, a nova batalha é a campanha eleitoral. Sete candidatos almejam a presidência.
Para quem cresceu na região dos Bálcãs, o clube balcanizado em várias facções não intimidou. Nem a má vontade de Cuca, logo trocado por Andrade.
Os treinadores de seu país não o convocam há mais de dez anos. Pet bateu boca com um deles, mas vieram outros. Por que não o chamam?
"Longe dos olhos, longe do coração", arrisca à Folha, sobre a distância desde que trocou em 1995 o Estrela Vermelha, de Belgrado, pelo Real Madrid, no qual não se firmou. Ironiza: "Talvez eu jogue em um país onde o futebol seja ruim".
Ele diz não ter saudade da velha Iugoslávia, a união de seis repúblicas dilacerada em conflitos na década de 1990. Porém lamenta o fim: "Sempre sou pela união, não pela separação".
Não guarda boas lembranças de Slobodan Milosevic, o ditador sérvio afastado em 2000 e que morreu seis anos depois acusado de crimes de guerra.
"A memória é totalmente negativa. No governo dele, aconteceram as piores coisas para o meu povo, o povo inocente, guerras, matanças."
Não está nem aí para Bósnia--Herzegóvina e Eslovênia, seleções de países oriundos da ex-Iugoslávia que tentam vaga para 2010 no mata-mata europeu -a Sérvia já se classificou.
Pet diz que torcerá na Copa para Sérvia, Brasil ("sou sérvio e meio brasileiro"; é casado com uma sérvia), Espanha (terra de nascimento de uma filha) e Itália (da outra, caçula).
Vê a Argentina forte. "O problema é a zaga. Se arrumarem a zaga, serão perigosos", prevê em português escorreito.
Ele promete ficar no Brasil após o fim, sem data, da carreira. Admite ser técnico. "Futebol tem tática e estratégia", diz. "Não é só briga. A guerra também tem estratégia."


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