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FUTEBOL
Sonhos de um garoto
TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA
João tinha 14 anos. Estudava
em uma escola pública e, nos
intervalos, jogava bola, num
campo de terra, próximo da favela, onde morava. Era o craque da
pelada. Nos domingos, o morro
inteiro ia vê-lo jogar. A diversão
era apostar de quanto seria a diferença de gols a favor da equipe
de João e quantos gols ele faria.
Pedro e Maria eram os pais de
João. Além de operários, eram os
líderes da comunidade. Davam
aulas de cidadania na rádio Favela e lutavam contra o narcotráfico e o crime organizado. Havia
pressão de pessoas influentes para
tirar a rádio do ar, com a alegação de que ela era clandestina. A
reação popular não deixou. A rádio conquistara a população e
acabou sendo reconhecida pelo
governo como comunitária.
Naquela noite, João não dormiu bem. No dia seguinte, faria o
sonhado teste nas categorias de
base de um grande clube. Seu pai
conseguira a chance por meio do
vizinho, que era porteiro do clube
e conhecido do treinador.
João acordou cedo, tomou um
copo de leite, acompanhado de
pão e manteiga, embrulhou a
chuteira no papel de pão e foi com
o pai, de ônibus, correr atrás do
seu sonho.
João entrou em campo ao lado
de dezenas de outros meninos.
Eles foram divididos em oito times. Seriam quatro jogos com
meia hora de duração para cada
partida. O time de João participaria do último jogo.
João era meia-atacante, canhoto. Gostava de recuar até o meio-campo para receber a bola e sair
driblando e tabelando até o gol.
Começou o jogo, mas não lhe passavam a bola. Na única chance
que teve, João driblou o zagueiro
e foi derrubado. Não o deixaram
bater a falta. Terminou o jogo.
Como se esperava, João não foi
relacionado para o próximo teste.
Ele e o pai desconfiaram que alguns meninos eram mais protegidos. Poderiam ser ligado a empresários. A peneira não passaria de
uma farsa.
João chorou no caminho para
casa. Foi o dia mais triste de sua
vida. Logo, porém, o pai arrumou
outro teste para o menino. Um
amigo, que não perdia as peladas
de domingo, conhecia bem o treinador de outro clube.
O garoto foi recebido de outra
maneira. O técnico escutara maravilhas do menino. João iria treinar toda a partida, jogando durante os 90 minutos.
No início, ele estava nervoso.
Aos poucos, porém, foi se libertando do medo de novo fracasso e
passou a dar um show de bola.
Após dar vários passes açucarados para os companheiros fazerem gols, resolveu decidir a partida. Recebeu a bola no meio-campo, driblou dois adversários e colocou-a por cima do goleiro. Houve um prolongado silêncio, seguido de aplausos na arquibancada.
O técnico não parava de sorrir.
O garoto era melhor do que diziam. Pensou: um craque, mas
não disse. Ele se enganara várias
vezes sobre meninos que pareciam craques, mas não eram.
Agora, seria diferente?
Em poucos meses, João já era titular do time sub-17. Em um ano,
tornou-se o craque da equipe.
Com 15 anos, foi convocado para
a seleção brasileira da categoria,
que disputaria o Mundial na
França.
O morro inteiro foi até o aeroporto se despedir do garoto. Ele já
era o ídolo da favela. O Brasil foi
campeão, João ganhou o título de
melhor jogador e um prêmio de
US$ 5.000. As partidas foram
mostradas pela televisão. Na volta, os amigos foram recebê-lo no
aeroporto. A TV mostrou os gols e
uma entrevista do garoto, agora
revelação. Todos estavam surpresos com o fato do melhor jogador
do mundo da categoria morar
numa favela.
Os empresários, que já estavam
havia muito tempo atrás do garoto, lutavam para convencer o pai
de que o menino precisava de um
intermediário.
A festa na casa de João durou
até tarde da noite. Quando todos
foram embora, João e seus pais se
abraçaram, trocaram beijos e
choraram. Naquele momento, o
garoto teve a certeza de que mais
importante que o título, os prêmios e o sucesso repentino eram o
afeto, o orgulho e a segurança que
sentia ao lado de seus queridos e
dignos pais.
João estava feliz. Pela primeira
vez, percebeu a diferença entre
alegria e felicidade. A alegria era
um sentimento comum, frequente
e, às vezes, banal. A felicidade era
algo especial, grandioso e que independia da vontade.
Dias depois, iria começar a Copa São Paulo de juniores e o time
esperava por ele. Estava apenas
começando a sua carreira. A vida
continuava.
João se tornaria um craque?
E-mail
tostao.folha@uol.com.br
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