São Paulo, quinta, 19 de março de 1998

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MATINAS SUZUKI JR.
O Atleta do século

Às vésperas do ano 2000, é época de perguntar quem é o atleta do século.
No Brasil, não temos dúvida. É Pelé, três vezes campeão do mundo de seleções (esteve fora de uma das finais), duas vezes campeão do mundo de clubes (também esteve fora de uma das finais), autor de mais de mil gols, jogador conhecido no mundo todo.
Aliás, por falar em mundo todo, talvez Pelé seja também uma preferência mundial, com uma exceção poderosa, sobre a qual escrevemos mais adiante.
A favor daquele que agora está sendo ministro, existe o fato de o futebol ter se internacionalizado ainda mais nas últimas décadas do século, impondo-se definitivamente como o esporte mais visto e praticado do mundo. Se o século 20 se fecha, nos esportes, como o século do futebol, nada mais natural do que o Rei ocupar o trono de o atleta do século.
Para alguns puristas -e o argumento deles é respeitável-, o atleta do século só poderá sair de modalidades individuais e da série de homens extraordinários que bateram recordes sobre recordes no mais tradicional dos esportes, o atletismo (como não sou especialista na questão, não vou me meter a besta e indicar publicamente um nome).
Para os norte-americanos (portadores da carteirinha da exceção que mencionei lá atrás), o eleito não é Pelé e nem um recordista das pistas olímpicas. O futebol não tem importância nenhuma naquele que ficará como o país do século 20.
O ruim para Pelé e para o resto do mundo que já o elegeu é que o país do século 20 tenderá a escrever boa parte da história do século 20.
Suspeito que para os norte-americanos, por exemplo, um dos fortes candidatos ao título de maior atleta do século seja Cassius Marcellus Clay, o Muhammad Ali.
Nenhum outro esportista conquistou tanto espaço na mídia, tornou-se tanta notícia, como ele durante a sua carreira. Ali transformou-se em um dos ícones mais fortes de uma época.
A edição comemorativa dos 75 anos da revista "Time", a alma da América durante o século, por exemplo, só menciona dois eventos esportivos extraídos de mais de mil edições semanais.
O primeiro deles é a estréia do primeiro negro no principal torneio de beisebol do país, em 1947.
O segundo, a vitória de Cassius Marcellus Clay sobre Sonny Liston, em 65, que vem ilustrada com a antológica foto de Neil Lefer de Ali gritando com o adversário estatelado na lona.
Contra Ali, existe a realidade de que o boxe não é unanimemente aceito como esporte. Se não é esporte, não pode produzir o atleta do século.
Aliás, a menção de "Time" ao primeiro negro na liga profissional do beisebol norte-americano enseja uma outra reflexão: seja quem for o escolhido como o atleta do século, é bastante provável que ele seja um negro.
Por si mesmo, esse já seria um fato a distinguir o século "cambalache", como diz aquele tango admirável, dos séculos imediatamente anteriores da chamada história moderna -que foram séculos de opressão contra os negros.


Matinas Suzuki Jr. é diretor editorial-adjunto da Editora Abril



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