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MATINAS SUZUKI JR.
O Atleta do século
Às vésperas do ano 2000, é
época de perguntar quem é o
atleta do século.
No Brasil, não temos dúvida. É Pelé, três vezes campeão
do mundo de seleções (esteve
fora de uma das finais), duas
vezes campeão do mundo de
clubes (também esteve fora de
uma das finais), autor de
mais de mil gols, jogador conhecido no mundo todo.
Aliás, por falar em mundo
todo, talvez Pelé seja também
uma preferência mundial,
com uma exceção poderosa,
sobre a qual escrevemos mais
adiante.
A favor daquele que agora
está sendo ministro, existe o
fato de o futebol ter se internacionalizado ainda mais nas
últimas décadas do século,
impondo-se definitivamente
como o esporte mais visto e
praticado do mundo. Se o século 20 se fecha, nos esportes,
como o século do futebol, nada mais natural do que o Rei
ocupar o trono de o atleta do
século.
Para alguns puristas -e o
argumento deles é respeitável-, o atleta do século só
poderá sair de modalidades
individuais e da série de homens extraordinários que bateram recordes sobre recordes
no mais tradicional dos esportes, o atletismo (como não sou
especialista na questão, não
vou me meter a besta e indicar publicamente um nome).
Para os norte-americanos
(portadores da carteirinha da
exceção que mencionei lá
atrás), o eleito não é Pelé e
nem um recordista das pistas
olímpicas. O futebol não tem
importância nenhuma naquele que ficará como o país
do século 20.
O ruim para Pelé e para o
resto do mundo que já o elegeu é que o país do século 20
tenderá a escrever boa parte
da história do século 20.
Suspeito que para os norte-americanos, por exemplo,
um dos fortes candidatos ao
título de maior atleta do século seja Cassius Marcellus Clay,
o Muhammad Ali.
Nenhum outro esportista
conquistou tanto espaço na
mídia, tornou-se tanta notícia, como ele durante a sua
carreira. Ali transformou-se
em um dos ícones mais fortes
de uma época.
A edição comemorativa dos
75 anos da revista "Time", a
alma da América durante o
século, por exemplo, só menciona dois eventos esportivos
extraídos de mais de mil edições semanais.
O primeiro deles é a estréia
do primeiro negro no principal torneio de beisebol do
país, em 1947.
O segundo, a vitória de Cassius Marcellus Clay sobre
Sonny Liston, em 65, que vem
ilustrada com a antológica foto de Neil Lefer de Ali gritando com o adversário estatelado na lona.
Contra Ali, existe a realidade de que o boxe não é unanimemente aceito como esporte.
Se não é esporte, não pode
produzir o atleta do século.
Aliás, a menção de "Time"
ao primeiro negro na liga profissional do beisebol norte-americano enseja uma outra
reflexão: seja quem for o escolhido como o atleta do século,
é bastante provável que ele seja um negro.
Por si mesmo, esse já seria
um fato a distinguir o século
"cambalache", como diz
aquele tango admirável, dos
séculos imediatamente anteriores da chamada história
moderna -que foram séculos
de opressão contra os negros.
Matinas Suzuki Jr. é diretor editorial-adjunto da Editora Abril
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