São Paulo, domingo, 19 de abril de 1998

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O Paulista-98 começou na Arábia

A passagem pelo milionário futebol árabe é um dos poucos elos que une os quatro técnicos que atuam nestas semifinais. Apenas um deles, Scolari, o treinador palmeirense, admite que poderia voltar um dia. Todos, porém, não esquecem a aventura

FÁBIO SEIXAS
da Reportagem Local

Uma coincidência, distante 15.755 quilômetros de São Paulo, com clima predominantemente árido e intensa vigilância religiosa, une os quatro técnicos semifinalistas do Campeonato Paulista.
Atraídos pelos petrodólares, Nelsinho, Luiz Felipe Scolari, Candinho e Wanderley Luxemburgo trabalharam -e ampliaram seus patrimônios- no futebol da Arábia Saudita.
E, de lá, partiram para clubes maiores, entraram para a elite do futebol brasileiro e tornaram-se candidatos ao cargo na seleção.
Na temporada 84-85, Luxemburgo, Candinho e Scolari eram adversários nos torneios sauditas.
Na ocasião, Candinho levou a melhor. Dirigindo o Al-Hilal, clube mais forte do país, venceu o campeonato nacional.
O atual técnico da Lusa voltou à Arábia Saudita em outras duas ocasiões. Ao lado de Scolari, é o que acumulou mais experiência no Oriente Médio, com um total de seis temporadas.
Nelsinho, hoje no São Paulo, foi o último a passar pelo futebol saudita. Trabalhou também no Al-Hilal, de agosto de 93 a maio de 94.
Entre os semifinalistas, Luxemburgo, do Corinthians, é o único que não trabalhou como treinador. À época, iniciava-se na profissão, e foi para o Oriente como auxiliar técnico de Joubert Meira.
Das experiências, os técnicos trouxeram impressões diversas.
Nenhum deles aprendeu o árabe. Candinho saiu do país após se desentender com um príncipe. "Eles que se danem", disse, na ocasião. Já Scolari, do Palmeiras, afirma que gosta muito do país e que voltaria para lá "tranquilamente".
O quarteto, porém, é unânime ao apontar o principal atrativo do futebol saudita: a remuneração acima dos padrões.
"Fui para lá ganhando oito vezes mais do que conseguiria no Brasil", declarou Scolari.
"A maior vantagem, sem dúvida, era financeira", diz Nelsinho.
Luxemburgo afirma que "financeiramente era bem melhor" e, para Candinho, "a alta do petróleo foi a responsável pelo boom do futebol em toda a região".
Em 84, quando três dos quatro semifinalistas desembarcaram no Oriente, o preço do barril de petróleo, principal "mola" da economia local, girava em torno dos US$ 27. Na última semana, estava cotado em US$ 14,64.
"Por isso, hoje a Arábia não oferece salários tão bons como no passado", analisa Candinho.
De fato, o êxodo de treinadores, preparadores físicos e auxiliares do Brasil para o futebol árabe vem caindo ao longo da década.
Nos anos 80, além de Candinho, Scolari e Luxemburgo, outros brasileiros aproveitaram a onda milionária do futebol árabe.
Os mais ilustres: Telê Santana, Zagallo, Rubens Minelli, Paulo César Carpegiani, Formiga, Carbone e Valdyr Espinosa.
"Na época, um técnico ganhava US$ 40 mil por mês na Arábia, o que era um absurdo", diz João Paulo Medina, que trabalhou como preparador físico do Al-Hilal e da seleção, junto com Candinho.
Hoje, o único brasileiro de destaque a atuar no país é Carlos Alberto Parreira, técnico da seleção que vai à Copa da França.
Será a segunda participação da Arábia Saudita em Mundiais.
Da primeira, nos EUA, em 94, saiu como uma das surpresas -chegou à segunda fase.
Foi nas eliminatórias para a última Copa que Candinho se desentendeu com o príncipe Fahd, então ministro dos Esportes.
"Estávamos invictos e faltava um jogo para a classificação. O príncipe queria aparecer e começou a querer dar palpites na escalação", conta Candinho. "Eu disse que não aceitava nenhuma interferência e voltei para o Brasil."
Lidar com esse tipo de problema foi uma das situações assimiladas pelos técnicos brasileiros.
A primeira barreira, a da comunicação, era enfrentada com inglês, espanhol, intérpretes, quadros negros e muita mímica.
"Tinha que achar uma maneira de passar aos jogadores o que eu queria. Daí, comecei a usar uma lousa", afirma Nelsinho. "Quando íamos para o campo, fazia toda a movimentação e mostrava o que cada um devia fazer. Acabei incorporando isso ao meu trabalho."
O preparador físico Flávio Trevisan, que acompanhou Nelsinho, aponta outra dificuldade.
"Os intérpretes ficavam com receio e não transmitiam as broncas e advertências aos jogadores", diz.
Os semifinalistas do Paulista dizem, hoje, estarem certos de que contribuíram para a evolução do futebol saudita.
"Se os brasileiros não tivessem ido para lá, a Arábia Saudita nunca teria classificado sua seleção para uma Copa", diz Luxemburgo.
"Há 14 anos, os árabes eram bem fraquinhos", resume Candinho.
Até o próximo domingo, o quarteto só se encontrará no Morumbi. Nelsinho contra Scolari, Luxemburgo versus Candinho.
Situação bem diferente dos animados churrascos e partidas de tênis que organizavam na Arábia Saudita da década passada.



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