São Paulo, quarta-feira, 19 de junho de 2002

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MARÇAL AQUINO

A hora H dos craques

Existem jogadores que, embora craques indiscutíveis em seus clubes, não conseguem exibir uma centelha de seu futebol quando estão a serviço da seleção brasileira. O fenômeno é curioso e antigo.
No time de Felipão, os casos mais evidentes talvez sejam os de Rivaldo e Ronaldo. São, não há por que duvidar, dois dos maiores jogadores do mundo. Mas a verdade é que, da primeira convocação até hoje, nenhum deles jogou na seleção metade do futebol que joga em seus clubes.
Tem gente que acha que o problema é o "peso" (a cor?) da camisa, que leva alguns craques a amarelar. Outros atribuem a passagem frustrada de grandes jogadores pela seleção a um detalhe de personalidade: a timidez os impede de brilhar. Personalidade ajuda, é verdade, mas não é tudo. Quem não se lembra de pelo menos um craque de gênio explosivo que fracassou na hora de jogar pelo Brasil?
No final dos anos 60, quando João Saldanha escolhia o grupo que, nas mãos de Zagallo, ganharia o tri, a camisa 10 tinha um dono óbvio. Um rei.
À sombra de Pelé, brilhavam em seus times dois dos maiores meias-armadores, que é como se chamava o camisa 10 na época, que este país já viu. Um no Cruzeiro, Dirceu Lopes; outro no Palmeiras, Ademir da Guia. Nenhum dos dois conseguiu firmar-se na seleção.
Dirceu Lopes era o maestro de um timaço do Cruzeiro. Que saudade os torcedores devem sentir de Zé Carlos, Fontana, Piazza, Tostão e Evaldo. Dirceu era um jogador de estilo sóbrio e elegante, e sua visão de jogo e a precisão de seus passes garantiriam um lugar para ele em qualquer time hoje em dia. Com a camisa amarela, no entanto, Dirceu nunca jogou 1% do que sabia.
O caso de Ademir da Guia foi parecido. Discreto em campo e dono de um toque de bola refinado, Ademir jogava de forma simples, que é como jogam os grandes craques. Marcou poucos gols, todos belíssimos, decisivos na maioria das vezes.
Nem depois que Pelé parou ele conseguiu um lugar na seleção. Sua última passagem foi melancólica: estava na reserva do time que naufragou na Copa de 74, na Alemanha. Apenas mais uma injustiça com um jogador bastante injustiçado.
A relação de craques que brilharam apenas nos clubes em que jogaram tem um lugar de honra para mais dois camisas 10: Pita e Zenon. Depois de comandar um incrível grupo de craques no time do Santos, que ficou conhecido como "os garotos da Vila", Pita viveu outro grande momento na equipe do São Paulo. Fez jogadas e gols memoráveis, o que nunca conseguiu repetir quando convocado.
O grande futebol de Zenon chamou a atenção do Brasil em 1978, ano em que ele ajudou o Guarani a conquistar o Campeonato Brasileiro. Na sequência, jogando ao lado de Sócrates e Casagrande, realizou campanhas gloriosas pelo Corinthians. E teve passagens apenas discretas pela seleção. Nunca foi o mesmo craque que era nos clubes.
Em tempos recentes, esse fenômeno abateu jogadores de indiscutível talento, como Djalminha, Alex e França, para ficarmos em apenas três exemplos. "O que é ótimo para os times nem sempre é bom para a seleção" parece ser a lição que esses casos contêm.
Não dá para saber o que vai acontecer com o Brasil nesta Copa. Tendo chegado a duras penas às quartas-de-final (precisava todo aquele sufoco contra uma seleção modesta como a Bélgica?), o time ainda permanece uma incógnita. É capaz de qualquer coisa, principalmente a defesa. O torcedor brasileiro vive neste momento mais de esperanças do que de certezas. Não custa, portanto, ter mais uma esperança: a de que alguns craques joguem na seleção o mesmo futebol que jogam em seus clubes.


Marçal Aquino, 44, é jornalista, escritor e roteirista dos longas "O Invasor", "Ação Entre Amigos" e "Os Matadores"



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