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MARÇAL AQUINO
A hora H dos craques
Existem jogadores que, embora craques indiscutíveis
em seus clubes, não conseguem exibir uma centelha de seu
futebol quando estão a serviço da
seleção brasileira. O fenômeno é
curioso e antigo.
No time de Felipão, os casos
mais evidentes talvez sejam os de
Rivaldo e Ronaldo. São, não há
por que duvidar, dois dos maiores jogadores do mundo. Mas a
verdade é que, da primeira convocação até hoje, nenhum deles
jogou na seleção metade do futebol que joga em seus clubes.
Tem gente que acha que o problema é o "peso" (a cor?) da camisa, que leva alguns craques a
amarelar. Outros atribuem a
passagem frustrada de grandes
jogadores pela seleção a um detalhe de personalidade: a timidez os
impede de brilhar. Personalidade
ajuda, é verdade, mas não é tudo.
Quem não se lembra de pelo menos um craque de gênio explosivo
que fracassou na hora de jogar
pelo Brasil?
No final dos anos 60, quando
João Saldanha escolhia o grupo
que, nas mãos de Zagallo, ganharia o tri, a camisa 10 tinha um dono óbvio. Um rei.
À sombra de Pelé, brilhavam
em seus times dois dos maiores
meias-armadores, que é como se
chamava o camisa 10 na época,
que este país já viu. Um no Cruzeiro, Dirceu Lopes; outro no Palmeiras, Ademir da Guia. Nenhum dos dois conseguiu firmar-se na seleção.
Dirceu Lopes era o maestro de
um timaço do Cruzeiro. Que saudade os torcedores devem sentir
de Zé Carlos, Fontana, Piazza,
Tostão e Evaldo. Dirceu era um
jogador de estilo sóbrio e elegante, e sua visão de jogo e a precisão
de seus passes garantiriam um
lugar para ele em qualquer time
hoje em dia. Com a camisa amarela, no entanto, Dirceu nunca
jogou 1% do que sabia.
O caso de Ademir da Guia foi
parecido. Discreto em campo e
dono de um toque de bola refinado, Ademir jogava de forma simples, que é como jogam os grandes craques. Marcou poucos gols,
todos belíssimos, decisivos na
maioria das vezes.
Nem depois que Pelé parou ele
conseguiu um lugar na seleção.
Sua última passagem foi melancólica: estava na reserva do time
que naufragou na Copa de 74, na
Alemanha. Apenas mais uma injustiça com um jogador bastante
injustiçado.
A relação de craques que brilharam apenas nos clubes em que
jogaram tem um lugar de honra
para mais dois camisas 10: Pita e
Zenon. Depois de comandar um
incrível grupo de craques no time
do Santos, que ficou conhecido
como "os garotos da Vila", Pita
viveu outro grande momento na
equipe do São Paulo. Fez jogadas
e gols memoráveis, o que nunca
conseguiu repetir quando convocado.
O grande futebol de Zenon chamou a atenção do Brasil em 1978,
ano em que ele ajudou o Guarani
a conquistar o Campeonato Brasileiro. Na sequência, jogando ao
lado de Sócrates e Casagrande,
realizou campanhas gloriosas pelo Corinthians. E teve passagens
apenas discretas pela seleção.
Nunca foi o mesmo craque que
era nos clubes.
Em tempos recentes, esse fenômeno abateu jogadores de indiscutível talento, como Djalminha,
Alex e França, para ficarmos em
apenas três exemplos. "O que é
ótimo para os times nem sempre
é bom para a seleção" parece ser
a lição que esses casos contêm.
Não dá para saber o que vai
acontecer com o Brasil nesta Copa. Tendo chegado a duras penas
às quartas-de-final (precisava todo aquele sufoco contra uma seleção modesta como a Bélgica?),
o time ainda permanece uma incógnita. É capaz de qualquer coisa, principalmente a defesa. O
torcedor brasileiro vive neste momento mais de esperanças do que
de certezas. Não custa, portanto,
ter mais uma esperança: a de que
alguns craques joguem na seleção
o mesmo futebol que jogam em
seus clubes.
Marçal Aquino, 44, é jornalista, escritor
e roteirista dos longas "O Invasor",
"Ação Entre Amigos" e "Os Matadores"
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