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"Isso é vida?"
ALBERTO HELENA JR.
da Equipe de Articulistas
"Isso é vida?" A pergunta de
Ronaldinho aos repórteres da
TV ficou ecoando na minha
cabeça, mesmo depois de o
craque engrenar seu carro e
partir da tela. A pergunta ia e
vinha, em duas vias. Tanto podia ser um lamento do menino
célebre e rico, pela vida que escolheu, sob os holofotes, o que
lhe dá fama e consequentemente fortuna, mas rouba-lhe
a intimidade, como lastimar a
árida e aviltante profissão de
catador de notícias dos seus
perseguidores.
Aliás, era a pergunta que eu
me fazia todos os dias em
Ozoir, ao assistir a repetição
da mesma e humilhante cena
-aquela multidão de repórteres se espremendo nas cerca do
campo de treino da seleção, à
espera de algumas migalhas de
declarações dos jogadores e
dos integrantes da comissão
técnica: "Isso é vida?"
A bem da verdade, essa questão me persegue há mais de 40
anos, quando comecei a frequentar, ainda adolescente, as
primeiras redações. Isso é vida? -esse ofício de abrir orifícios na realidade, para espiar
o que se esconde por trás das
aparências? Tenho elaborado,
claro, várias respostas. Algumas edificantes, do tipo: é, mas
se não fôssemos nós, quem daria à luz as maracutaias e as
mazelas dos poderosos e famosos, quem sustentaria os direitos dos mais fracos? Outras,
porém, que já me levaram a
fundas depressões.
Ainda outra noite, assistia
na TV a um velho filme que, se
me permite o Inácio Araújo,
reputo como um dos mais bem
acabados produtos de Hollywood: "Herdeiros do Vento",
de Stanley Kramer, com um
trio de ouro nas interpretações
de dois advogados e um jornalista -Spencer Tracy, Fredrich March e Gene Kelly.
A história se baseia num fato
real: o julgamento, na virada
dos anos 20 para os 30, de um
professor de ginásio numa cidade reacionária do interior
dos EUA que cometera o crime, previsto em lei, de ensinar
aos seus alunos a lei de Darwin
sobre a evolução das espécies.
Acusando-o, um promotor público famoso, fanático fundamentalista da Bíblia; defendendo-o, um não menos famoso advogado, agnóstico e progressista. Entre ambos, antigos
camaradas agora históricos
desafetos, um cínico repórter
da cidade grande.
Resumindo: no transcorrer
da trama, o que era o Bem virou o Mal e vice-versa. E o drama, levado num tom leve de
comédia, transforma-se em
tragédia. O tempo todo perpassa pelo filme uma tensão
que explode aqui e ali em emoções desenfreadas -é pai que
amaldiçoa filha, é o povo querendo linchar o advogado, é,
enfim, a vida concentrada,
com todos os seus ingredientes,
em duas horas de representação, do Gênesis ao microfone
de rádio, o milagre da época.
No fim, as coisas se ajustam,
todos se ajustam -no filme,
como na história real. Menos o
repórter cínico, que segue sendo um desajustado, um dado
que não se encaixa em toda
aquela representação. E por
quê? Simplesmente, porque
aquela história, que começou
com o Gênesis não terminou
no microfone de rádio. E, a cada pergunta do repórter, uma
nova questão se levanta e uma
nova pergunta há de ser feita,
empurrando o fim da história
sabe Deus para onde.
Porque isso é a vida.
Alberto Helena Jr. escreve aos domingos, segundas e quartas
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