São Paulo, quarta, 19 de agosto de 1998

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O xeque-mate da questão

ALBERTO HELENA JR.
da Equipe de Articulistas

Há quem veja no futebol uma expressão democrática porque se trata de um exercício de equilíbrio entre os diferentes. Pois esse é o segredo do sucesso de um time: a gradação e consequente combinação de estilos, quando não até de personalidades.
Costuma-se dizer que um jogo de futebol assemelha-se muito a um jogo de xadrez. Pode ser. Mas vejo mais os movimentos complexos do xadrez na montagem de um time do que propriamente na disputa de uma partida. Por exemplo: se você, técnico de futebol, meter quatro brutamontes no meio-campo, teoricamente, estará formando uma linha intermediária extremamente defensiva, o que, em princípio, dificultará as ações ofensivas do inimigo. Se o único efeito que você deseja provocar é esse, há uma grande probabilidade de que dê certo.
Mas, se a escolha de cada um desses cabeças-de-bagre não obedecer um critério de gradação -o mais lento, no centro; à esquerda, um canhoto; à direita, um destro; um quarto com certo grau de velocidade e assim por diante-, é bem capaz de sua trincheira desfazer-se por inteira diante da primeira investida adversária.
Em outras situações, basta a troca de um determinado jogador por outro que, pronto!, ou se faz a luz ou baixam as trevas no resto do time todo.
Digo essas banalidades para chegar a uma obviedade: esse Corinthians, líder do Brasileirão, é uma fina montagem feita por Luxemburgo, a partir das diferenças de cada um, mas todos dentro de uma linha de ação bem definida.
A coisa toda começa lá no gol, com um goleiro discreto, ágil e seguro -Nei, uma revelação, embora tardia. Passa por Gamarra, um becão intransponível, acrobático e que, ainda por cima, não comete faltas, e atinge o meio-campo, o verdadeiro coração do time. Ali, Luxemburgo combinou estilos que se completam, desprezando o ponto de partida de todos os treinadores que atuam neste país desde, pelo menos, a metade dos anos 70: o tal de cabeça-de-área, aquele segurança desprovido de imaginação, sensibilidade e arte, plantado à frente dos beques só para obstruir, nunca para construir.
Vampeta, que assumiu tal função, é antes de mais nada um armador, um fino passador de bola, com ímpetos de atacante. Ao seu lado, um meia típico, Rincón, mais contido, é quem alterna o ritmo: Vampeta, quente; Rincón, frio. Um pouco mais à frente, pela direita, o destro Marcelinho, articulador rápido e atacante incisivo; pela esquerda, o canhoto Ricardinho, outra revelação, mais assentado e calculista. Ambos dão suporte às investidas dos laterais -Rodrigo, pela direita, e Silvinho, pela esquerda-, que se juntam aos atacantes Edílson e Mirandinha; um mais técnico; outro mais rompedor, mas os dois extremamente velozes.
Mas todos -de Rodrigo a Mirandinha- têm de ajudar aqui e ali na marcação, quando a bola está com ele. E isso derruba por terra a tese de que craque não marca. Marca, sim, desde que seja devidamente estimulado e que tenha seu território devidamente demarcado pelo treinador. E é esse, no final das contas, o xeque-mate da questão.


Alberto Helena Jr. escreve às quartas, domingos e segundas



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