São Paulo, domingo, 19 de novembro de 2000

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FUTEBOL
Alteração em contrato dá porcentagem de cotas recebidas pela CBF à empresa e impõe limite a trabalho de Leão
Agora, todo amistoso da seleção é da Nike

DA REPORTAGEM LOCAL,

DO PAINEL FC

E DA REDAÇÃO

A alteração do contrato entre Nike e CBF, assinada em abril deste ano, deu à multinacional de material esportivo poder quase total sobre todas as partidas organizadas pela confederação.
A partir de agora, a Nike tem direito exclusivo sobre publicidade, relações públicas, bilheteria e qualquer atividade promocional ou de marketing relativos aos jogos realizados pela entidade a pedido da comissão técnica, no Brasil ou no exterior.
Mais: a empresa receberá 20% da cota a que a CBF tiver direito, a título de agenciamento, ou "honorários de negociação".
Pelo acordo, a Nike possui exclusividade como agenciadora dos jogos da CBF, o que garante à empresa um quinto da cota da premiação que a confederação receber em todas as partidas de sua responsabilidade.
Ou seja, para colocar o time nacional em campo, em qualquer lugar e contra qualquer adversário, a CBF será obrigada a doar à Nike boa parte da receita a que teria direito -só entrarão nos cofres da entidade o restante das cotas e o dinheiro obtido com a venda de direitos de transmissão, já em boa parte nas mãos da Traffic, a agência de marketing que intermediou o contrato.
Antes da revisão do acordo, a multinacional não recebia nem um centavo nos amistosos agendados pela CBF, cabendo à empresa apenas os lucros das partidas que ela própria organizava.
Nessas partidas, além de a CBF não receber nada pela apresentação da seleção, a Nike fica com todo o lucro obtido na bilheteria, na venda dos direitos de transmissão para TVs de fora do Brasil e dos produtos e vídeos promocionais relacionados ao amistoso.
À multinacional cabe apenas desembolsar o valor relativo ao transporte e hospedagem da delegação brasileira.
Mas a ingerência da parceira sobre a CBF não abrange apenas o aspecto financeiro.
Após a alteração do contrato, a confederação está proibida de marcar mais de três partidas por ano sem a anuência da Nike.
Traduzindo: mesmo que o técnico Emerson Leão considere que precisa marcar mais de três amistosos da seleção em um ano, terá que consultar a Nike para que sejam agendadas partidas de seu interesse, onde, quando e contra quem a multinacional designar.
Uma das cláusulas prevê também que a CBF só pode marcar seus amistosos na temporada após ter agendado pelo menos duas das partidas da cota Nike.
Além da proibição de fazer mais de três partidas da CBF, Leão não poderá marcar amistosos nos locais em que a Nike tiver "interesse" de agendar os jogos de sua cota naquela temporada -Japão, Coréia e Europa, segundo cláusula acordada em 1996 que foi mantida na revisão de abril último.
O técnico Emerson Leão terá ainda que cumprir outro ponto do contrato. Ficará vedado a ele o direito de "experimentar" livremente os jogadores que quiser na seleção. Uma cláusula prevê que a CBF terá que disponibilizar nos jogos Nike no mínimo oito jogadores titulares.
A multinacional nega, por seu lado, que tenha qualquer ingerência sobre a escalação de jogadores.
Em sua edição de ontem, no entanto, a Folha revelou que a ausência do atacante Ronaldo nas partidas contra a Austrália, no fim de 1999, foi utilizada como pretexto para que os amistosos não fossem mais considerados da Nike.
O jogador da Inter de Milão, principal garoto-propaganda da empresa de material esportivo no futebol, foi cortado pelo então técnico Wanderley Luxemburgo porque sua equipe o havia liberado para apenas um confronto. O treinador não abriu mão de contar com Ronaldo nas duas exibições, e o atacante, que já estava em Sydney, foi dispensado.
Além dos dois jogos em que não pôde contar com Ronaldo, a Nike "apagou" de sua cota mais três exibições: contra o México, em 1997, alegando que foi o primeiro jogo da série valeu como um "presente" pela celebração do acordo; e contra Inglaterra e País de Gales, em maio último, desconsiderados porque a escolha de local foi da CBF para angariar votos para abrigar o Mundial-2006.
O "presente" de Teixeira vai custar caro à CBF: pelos cinco jogos, a entidade teria que pagar à Nike US$ 2,5 milhões a menos em sua multa por não cumprir a meta de jogos acordada em 1996. (FERNANDO MELLO, JOSÉ ALBERTO BOMBIG E JOSÉ HENRIQUE MARIANTE)


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