São Paulo, terça-feira, 20 de janeiro de 2004

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Reverendo Moon conduz caçula do Paulista-04

Moacyr Lopes Júnior/Folha Imagem
O atacante Taquá, um dos jogadores do Sorocaba, que estréia na Série A-1 do Paulista neste ano


Igreja de coreano estréia com Sorocaba no torneio usando o clube para divulgar sua filosofia

MARCUS VINICIUS MARINHO
ENVIADO ESPECIAL A SOROCABA

"Teu futuro é luz fulgurante/ tens a bênção do céu, clube meu/ Alegrias imensas darás/ a Sorocaba, ao Brasil e a Deus".
Num universo onde as músicas usualmente enaltecem conceitos como garra, orgulho e títulos, o trecho acima, retirado do hino do Atlético Sorocaba, é uma exceção entre os 21 times que vão disputar o Campeonato Paulista: cita Deus.
De fato, a estréia do clube sorocabano na Série A-1 representa mais que a volta da cidade à elite do Paulista após 14 anos. O debute da jovem equipe, fundada em 1991 -um ano depois da última participação do São Bento, a outra equipe local-, também representa um grande projeto do reverendo sul-coreano Sun Myung Moon, 83, líder do chamado Movimento da Unificação: a utilização do futebol com viés ideológico ao lado do maior centro populacional do país.
A intenção de Moon, o cabeça da organização religiosa que é dona do Atlético Sorocaba há quatro anos, é visível já na camisa que o time ostentará no Paulista. Enquanto outras equipes terão todo tipo de empresas estampando suas camisas, a equipe sorocabana exibirá a curiosa marca "Federação Internacional Inter-Religiosa para a Paz Mundial".
"O futebol é separado da igreja, mas vamos utilizar a equipe para divulgar valores familiares, contra os vícios e pela paz. Pregamos, por exemplo, que os homens sejam bons maridos e sustentem a família", diz Walter Cipriani, vice-presidente do clube. "Por essa razão, já permitimos em outras oportunidades que as esposas dos atletas viessem à concentração, para que eles pudessem ter tranqüilidade emocional e familiar."
Para o presidente do Sorocaba e homem-forte de Moon no Brasil, o reverendo Heung Tae Kim, o futebol pode também constituir uma arma moral contra doenças. "Entramos no futebol para divulgar valores e lutar contra males como a Aids", diz o sul-coreano.
Kim tem a seu lado fortes aliados. A Federação Paulista de Futebol, que já intermediou a aquisição do clube pelos coreanos em 2000, levará amanhã a festa de estréia do Paulista para Sorocaba. O presidente da federação, Marco Polo del Nero, é amigo pessoal de Moon e até escreve um prefácio para a apostila intitulada "A Educação do Caráter Através do Esporte", distribuída no clube e recheada de ensinamentos do Movimento da Unificação.
"Em fim de temporada, levamos atletas para escolas carentes, eles falam sobre valores familiares e levam uniformes e presentinhos", diz Cipriani. Os jogadores do Sorocaba, no entanto, negam qualquer relação com o lado espiritual do clube. "Eles não interferem no futebol. Cada um tem a sua religião, é um time como os outros", diz o atacante Ricardo Xavier, artilheiro da Série A-2 em 2003, com 12 gols. "A única diferença é que aqui pagam em dia."
O complexo empresarial por trás do dinheiro de Moon, que possui empreendimentos industriais, turísticos e agropecuários, contraria a crise das equipes do interior. Apesar de o investimento de Moon no clube ser modesto -a folha de pagamento soma cerca de R$ 150 mil- a boa estrutura do Sorocaba e os salários em dia possibilitaram a ascensão meteórica do clube, que subiu da Série A-3 para a elite em dois anos. "Neste ano, queremos chegar entre os quatro melhores", diz Kim.
A iniciativa dos coreanos divide a cidade. Enquanto a maioria dos atleticanos parece aprovar a gerência de Moon e seu grupo sobre o clube, a outra torcida da cidade, a do São Bento, trata a situação de forma jocosa. Nos dérbis locais, Moon se torna o principal alvo dos insultos dos rivais.


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