São Paulo, terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

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SONINHA

Quero o futebol de volta


Um estádio lotado em dia de clássico é (ou era) espetáculo sem igual em qualquer outro esporte. Que saudade


EU ME LEMBRO perfeitamente da sensação de entrar pela primeira vez num estádio lotado também, não faz tanto tempo. Já haviam se passado mais de 20 anos de vida quando fui ver um jogo "de verdade": um São Paulo x Palmeiras no Morumbi em que César Sampaio fez um gol tão bacana (driblou meio mundo desde a metade do campo) que virou música: "Recordar é viver/Sampaio acabou com vocês". Eram anos de rivalidade mais acirrada entre os dois clubes, que formam, com o Corinthians, um triângulo em que as agudezas entre os pares se alternam. Depois daquela bela tarde de sol, entendi por que nenhum outro esporte era (é?) páreo para o futebol no gosto popular.
Um apaixonado por basquete ou vôlei (meu caso) ou aficionado por outro esporte que não o futebol tem com ele uma relação ambígua. Parece a que um estudante de cinema no Brasil tem com o cinema americano (a comparação parece meio doida, mas estamos no terreno da experiência pessoal...): gosta-se muito dele, mas com certo ressentimento pelo fato de tomar muito espaço; é tão grande que o outro não cresce. Eu sempre gostei de ver jogos e gols pela TV, mas ficava furiosa com a falta de lances livres, bandejas, chuás e enterradas.
Até o dia em que fui ao estádio...
Depus as armas e me rendi às massas. Ainda adoro basquete, mas o futebol ocupou meu espaço. Os milhares de pessoas reunidas em torno do campo verde, os personagens minúsculos e ainda assim reconhecíveis para quem se interessa por eles, os sons da multidão, produzem eletricidade difícil de igualar.
Continuo fã de vôlei e de ginástica artística; gosto de ver grandes duelos de tênis, as disputas entre os ídolos do atletismo e da natação, saltos com vara e ornamentais. Mas nada me leva para a frente da TV ou a arquibancada como o 11 contra 11.
Pena, como reparou Xico Sá, que boa parte da graça já não existe mais, especialmente em São Paulo. Por motivos que não há necessidade de repetir, o torcedor vai cada vez menos ao estádio, especialmente em dia de clássico. E não é só isso: não há mais a mesma festa insolente em torno da rivalidade, nem antes, nem depois do jogo. Tudo é tenso, arriscado, sem humor.
Não que a brutalidade tenha surgido agora. Em todas as épocas houve confrontos estúpidos entre torcedores, perto ou longe do estádio. Histórias de tiros, facadas e outras lástimas. Mas há uma diferença básica: talvez antes houvesse tragédias movidas a emoções violentas, momentos de irracionalidade e bebedeira. Hoje em dia não é preciso emoção, fanatismo pelo time e a noção distorcida de "honra" -agridem-se pelo simples fato de vestirem cores diferentes, independentemente do time, do jogo, do placar.
Agredir é a finalidade, não o efeito colateral negativo de uma paixão. Um bando vê um grupo de torcedores de outro time, parte para cima deles, bate até não mais poder -eles lá estão preocupados com ataque, defesa, meio-campo, gol?
Não é futebol nem rivalidade. É total falta de propósito na vida. Os bandos proliferam, por toda a parte, dispostos a causar o mal, usando a diferença expressa na escolha por um ou outro time como pretexto.
Sei que me repito, mas os fatos teimam em se repetir. Diante de violência tão assustadora e enjoativa, há os que imploram pelo fim do futebol. Eu concordo com suspensões temporárias -se não fosse por outro motivo, ao menos como respeitoso luto, para não dar espaço à idéia de que uma morte a mais ou a menos não faz diferença. Mas em vez da extinção, sonho com a volta do futebol. Aquele espetáculo de tirar o fôlego, que não é só dos homens (ou mulheres...) em campo mas também dos milhares nas arquibancadas. Que o torna ou tornava sem igual.

soninha.folha@uol.com.br


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