São Paulo, sábado, 20 de fevereiro de 2010

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JOSÉ GERALDO COUTO

Elogio da lambança


No mesmo dia, o goleiro do Arsenal e o meia do Joinville enriqueceram o futebol com jogadas bisonhas

O PALMEIRAS demitiu Muricy, o Santos deu de seis e disparou na liderança do Paulistão, o "Império do Amor" flamenguista ruiu como todos os impérios. Mas quero falar aqui do obscuro polonês Lukasz Fabianski, de 24 anos.
Se a poesia do futebol está no frango, como dizia Nelson Rodrigues, Fabianski escreveu um belo poema, aliás dois, na última quarta-feira, no estádio do Dragão, no Porto, quando o time da casa venceu o Arsenal por 2 a 1, pela Copa dos Campeões.
Goleiro reserva do Arsenal, o polonês foi a campo devido a uma contusão do titular, Almunia. E sua presença não passou em branco. Logo aos 11min, saiu do gol afoitamente para interceptar um cruzamento de Varela e, ao tentar voltar atrás, acabou colocando a bola para dentro.
Foi um frango "ativo", por assim dizer, em contraste com o frango "passivo", que é aquele em que o goleiro simplesmente deixa a bola passar entre suas mãos, suas pernas, ou entre seu corpo e a grama. Na verdade, a autoria do primeiro gol do Porto deveria ser atribuída a ele.
Com esforço, o Arsenal chegou ao empate, mas aí Fabianski escreveu sua segunda estrofe, em estilo bem diferente da primeira.
O zagueiro Campbell atrasou a bola com o pé, e o goleiro a pegou com as mãos. Um erro primário, que nem na várzea se comete mais. Falta para o Porto, e Fabianski, ainda desentendido, viu os rivais baterem rápido e marcarem o gol da vitória.
Foi uma Quarta-Feira de Cinzas que o polonês jamais vai esquecer.
Até porque, no dia seguinte, todos os jornais britânicos o crucificaram em letras garrafais. Cruel, muito cruel, como diria um locutor carioca cujo nome esqueci.
Na mesma Quarta-Feira de Cinzas, horas depois do ocorrido no Porto, o meia Ricardinho, do Joinville, protagonizou um lance igualmente bisonho.
Na cobrança de um escanteio, Ricardinho escorregou e caiu sentado, não sem antes tocar levemente a bola, que rolou apenas uns poucos metros. Consciente de que não podia tocá-la de novo, e temeroso de um contra-ataque do Metropolitano de Blumenau, o meia levantou e ficou "de guarda" perto da bola, enquanto os torcedores e muitos jogadores riam da cena.
Vale lembrar que o mesmo Ricardinho iniciou a jogada do primeiro gol de seu time e marcou o segundo, no empate por 2 a 2 com o Metropolitano. Mesmo assim, o que ninguém vai esquecer é o tombo cinematográfico. "Foi como se eu pisasse numa casca de banana", comentou o meia, bem-humorado.
Se no Dragão do Porto o inusitado teve tintas patéticas, para não dizer trágicas, na Arena de Joinville ele foi apenas cômico e sem grandes consequências, já que o time da casa se classificou para a final do primeiro turno catarinense.
A graça do jogo não está só nos belos lances, nas disputas renhidas, nas proezas técnicas, mas também nos passos em falso, nas lambanças grotescas. O futebol não seria o que é se não comportasse, em sua essência, o ridículo da vida.
Para não deixar de falar de Muricy, cito frase dele na entrevista que deu ao PVC, publicada ontem aqui: "Tenho a minha mania de cumprir contrato. Tenho vergonha de sair no meio". Nada a acrescentar.

jgcouto@uol.com.br


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