São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 2011

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A construção de Ronaldo

Exemplos de mitos como Senna moldam imagem do Fenômeno

RODRIGO BUENO
DE SÃO PAULO

Enquanto Ronaldo lutava contra o próprio corpo para se tornar um dos maiores jogadores da história, batalhas extracampo aconteciam para a construção de um mito.
O Fenômeno já foi comparado a vários craques pelo seu talento, mas poucos podem ter a imagem comparada com a de Ronaldo.
Profissionais que trabalharam com Romário, Ayrton Senna e Michael Jordan, entre outros, estiveram ao lado do recém-aposentado atleta, que, apesar de uma visível derrocada física no fim da carreira e de escândalos, já lucra inativo como Pelé.
"Peguei o Ronaldo que não era o Ronaldo. Ele já tinha uma importância gigantesca no cenário internacional, mas no Brasil ainda era muito questionado, aquele episódio de carros, a história da Ferrari e de compra de joias no Paraguai...", relembra Rodrigo Paiva, ex-assessor pessoal do atacante.
"Algumas coisas arranhavam muito a imagem dele. Ele estava muito desprotegido. Fui contratado para isso depois da final de 1998. Era escudo. Fui o primeiro assessor de um jogador, isso não existia na época", conta Paiva, que trabalhou por anos no Flamengo com Romário.
"Fui padrinho de casamento dele. Romário e Ronaldo foram fenomenais no futebol e inteligentíssimos. Até quando davam mancada sabiam que ia dar em algo. Criei relação de amizade com Ronaldo, nem sequer conversava de dinheiro com ele."
Quem cuidava do dinheiro de Ronaldo então eram os empresários Reinaldo Pitta e Alexandre Martins, presos em 2003 por envolvimento no Propinoduto e em 2008 por remeter ilegalmente para o Brasil dinheiro de transações de atletas no exterior.
"Quando Ronaldo teve as lesões e deixou de jogar bola, usamos o espaço para mostrar o homem", diz Paiva.
"Começaram ações como visitas ao Hospital do Câncer, projetos no Kosovo, ir até lá, o Haiti, a ONU etc. Ele empurrou goela abaixo da elite cultural, que discrimina o jogador. Todos batiam na porta dele pedindo apoio para projetos culturais", afirma ele.
Fabiano Farah, empresário que trabalha há nove anos com Ronaldo, gerenciava a marca Ayrton Senna e fez um paralelo entre eles.
"F-1 remete a valores de alta tecnologia, produtos para a classe AAA, mas o Ayrton vendia para classes B, C e D. Isso no marketing se chama "span", e o "span" do Ronaldo é parecido", declara ele. "É um ícone com apelo independentemente de classe, sexo, cultura, etnia e religião."
O empresário coloca a preferência dada à Globo pelos dois como uma troca natural.
"Para efeito de receita, não basta para a Globo promover F-1 ou futebol, tem que promover expoente brasileiro. O Brasil ganhou em 94 [a Copa] pelo coletivo, mas tinha um fenômeno como o Ayrton."
Farah conta que a estratégia com Ronaldo foi respeitar a própria história e não saturar a imagem, ser seletivo.
"Celebridade falta com a ética quando abusa do prestígio. Ronaldo nunca abusou e soube ser fiel à sua trajetória. Viu a importância de aparições de cunho social."
Aos 14 anos, Ronaldo já tinha empresários (Reinaldo Pitta foi procurado, mas não atendeu as ligações), e a relação com a Nike também começou cedo. A experiência bem-sucedida com Jordan, o gênio do basquete, alcançou o futebol com o Fenômeno.
Segundo pessoas ouvidas pela Folha, a imagem de Ronaldo careca teve respaldo em crianças que perderam cabelo por doença e ajudou a torná-lo "simpático" e bem identificável mundo afora.
"Havia a preocupação de empresas, seja a AmBev ou a Nike, de dar auxílio a Ronaldo no que se refere à imagem. Mas a prática trouxe isso para ele, que estudou em casa. Digo que ele deu um pulo e entrou na aula de mestrado [de marketing]", diz Farah.
Houve, contudo, deslizes.
"A saída da Inter foi traumática, e um ponto de mudança veio no Real Madrid. A Espanha já destruiu o Maradona, tem noite intensa, puxa-sacos. Ali ele começou a mudar o foco e veio o declínio", falou Paiva, que se separou de Ronaldo nessa fase.
"Foi no casamento com a [Daniella] Cicarelli [em castelo francês], aquilo virou algo midiático desnecessário. Eu já pensava diferente dele."


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