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FUTEBOL
Magia e geometria nos passes de Alex
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
O Corinthians deu um
passinho à frente rumo às
semifinais da Libertadores. O Palmeiras deu um salto triplo.
No confronto entre alvinegros
no Mineirão, sobrou pancadaria
e faltou futebol. Se o juiz fosse rigoroso, o jogo terminaria com, no
mínimo, uns quatro jogadores a
menos, dois de cada time.
Aliás, se o juiz tivesse apitado,
logo no começo, o pênalti claro do
corintiano Fábio Luciano sobre
Cleisson, talvez a partida não tivesse descarrilhado. Talvez, também, se o cartão amarelo significasse mais que uma mera multa
de US$ 100 na Libertadores, a violência e as reclamações tivessem
sido mais contidas.
Quanto ao futebol, o Corinthians que se cuide, pois no jogo
de volta, no Morumbi, não contará com Dida -que mais uma vez
salvou a pátria mosqueteira nos
momentos de sufoco. Graças à
marcação por pressão do Atlético,
o Corinthians tinha dificuldade
de ultrapassar sua intermediária
e fazer valer seu ponto forte: o toque de bola do meio-campo.
Enquanto isso, ou melhor, um
pouco depois, o Palmeiras deu
um show de eficiência, suportando a pressão do Atlas para depois
liquidar o adversário por 2 a 0.
É admirável a capacidade de
Scolari de fazer, com qualquer
grupo de jogadores e sob as mais
variadas condições, um time de
futebol. Do mais tosco ao virtuose, todos os seus atletas são membros solidários de um organismo
dinâmico e incansável.
Mas esse combativo espírito de
equipe não levaria a nada se não
fosse o talento de alguns jogadores. Anteontem, além das defesas
prodigiosas de Marcos e do instinto definidor de Pena e Euller, foram os passes inteligentes de Alex
e Júnior que definiram o jogo.
Se é verdade que o passe é o fundamento mais simples do futebol,
seu feijão-com-arroz, alguns jogadores o refinaram ao ponto de
o transformarem numa iguaria
comparável a um drible desconcertante, a um chapéu, a uma bicicleta.
Alex, por exemplo. Quem viu o
jogo de anteontem constatou que
seus passes desenham as trajetórias mais inesperadas, entre obstáculos de todo tipo, para chegar
ao ponto exato no momento exato. São passes de mágica.
Nunca vi Domingos da Guia jogar, nem mesmo em filme ou VT
(que no seu tempo não existia).
Seria uma impostura sair escrevendo isso e aquilo sobre seu estilo de jogar.
Todos nós que temos menos de
60 anos conhecemos Domingos
por via indireta, pela impressão
que deixou em quem o viu jogar,
pelo que disse sobre ele a imprensa, pelo que a lenda conservou (e
possivelmente modificou) ao longo das décadas.
Sabemos, com certeza, que foi
um zagueiro clássico e de habilidade ímpar. Tornou-se, por isso,
padrão de referência. Quando Pelé despontou, diziam, para elogiar o novo craque, que era "o
Domingos da Guia do ataque".
Sabemos também que Domingos era chamado de Divino, epíteto herdado por seu filho, Ademir
da Guia. No majestoso futebol de
Ademir tendemos a ver, de modo
mais sentimental do que científico, uma emanação da genialidade do pai.
Mas, pelo menos fora de campo,
Domingos e Ademir eram bem diferentes. Vi os dois num programa do Jô Soares e o contraste me
surpreendeu. Enquanto o tímido
Ademir limitava-se a sorrir e a
responder com monossílabos, Domingos era loquaz e brincalhão.
Sobre sua célebre expulsão, contra a Itália, na Copa de 1938, o velho craque falou de modo sereno e
espirituoso: "O sujeito me deu um
pontapé. Em vez de revidar, o certo seria eu dizer a ele: "O senhor
não devia ter feito isso". Mas ele
era italiano e não ia entender".
A imagem de Domingos da
Guia que vai ficar comigo é essa: a
de um homem que unia a sabedoria do ancião com o espírito travesso do menino.
A Folha mostrou que, por obra e
graça da insanidade do regulamento, no clássico de amanhã entre Palmeiras e Corinthians leva
vantagem quem perder. O que pesará mais? O cálculo pragmático
ou a rivalidade? Aposto todas as
fichas na última.
E-mail: jgcouto@uol.com
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