São Paulo, sábado, 20 de maio de 2000


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FUTEBOL

Magia e geometria nos passes de Alex

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

O Corinthians deu um passinho à frente rumo às semifinais da Libertadores. O Palmeiras deu um salto triplo.
No confronto entre alvinegros no Mineirão, sobrou pancadaria e faltou futebol. Se o juiz fosse rigoroso, o jogo terminaria com, no mínimo, uns quatro jogadores a menos, dois de cada time.
Aliás, se o juiz tivesse apitado, logo no começo, o pênalti claro do corintiano Fábio Luciano sobre Cleisson, talvez a partida não tivesse descarrilhado. Talvez, também, se o cartão amarelo significasse mais que uma mera multa de US$ 100 na Libertadores, a violência e as reclamações tivessem sido mais contidas.
Quanto ao futebol, o Corinthians que se cuide, pois no jogo de volta, no Morumbi, não contará com Dida -que mais uma vez salvou a pátria mosqueteira nos momentos de sufoco. Graças à marcação por pressão do Atlético, o Corinthians tinha dificuldade de ultrapassar sua intermediária e fazer valer seu ponto forte: o toque de bola do meio-campo.
Enquanto isso, ou melhor, um pouco depois, o Palmeiras deu um show de eficiência, suportando a pressão do Atlas para depois liquidar o adversário por 2 a 0.
É admirável a capacidade de Scolari de fazer, com qualquer grupo de jogadores e sob as mais variadas condições, um time de futebol. Do mais tosco ao virtuose, todos os seus atletas são membros solidários de um organismo dinâmico e incansável.
Mas esse combativo espírito de equipe não levaria a nada se não fosse o talento de alguns jogadores. Anteontem, além das defesas prodigiosas de Marcos e do instinto definidor de Pena e Euller, foram os passes inteligentes de Alex e Júnior que definiram o jogo.
Se é verdade que o passe é o fundamento mais simples do futebol, seu feijão-com-arroz, alguns jogadores o refinaram ao ponto de o transformarem numa iguaria comparável a um drible desconcertante, a um chapéu, a uma bicicleta.
Alex, por exemplo. Quem viu o jogo de anteontem constatou que seus passes desenham as trajetórias mais inesperadas, entre obstáculos de todo tipo, para chegar ao ponto exato no momento exato. São passes de mágica. Nunca vi Domingos da Guia jogar, nem mesmo em filme ou VT (que no seu tempo não existia). Seria uma impostura sair escrevendo isso e aquilo sobre seu estilo de jogar.
Todos nós que temos menos de 60 anos conhecemos Domingos por via indireta, pela impressão que deixou em quem o viu jogar, pelo que disse sobre ele a imprensa, pelo que a lenda conservou (e possivelmente modificou) ao longo das décadas.
Sabemos, com certeza, que foi um zagueiro clássico e de habilidade ímpar. Tornou-se, por isso, padrão de referência. Quando Pelé despontou, diziam, para elogiar o novo craque, que era "o Domingos da Guia do ataque".
Sabemos também que Domingos era chamado de Divino, epíteto herdado por seu filho, Ademir da Guia. No majestoso futebol de Ademir tendemos a ver, de modo mais sentimental do que científico, uma emanação da genialidade do pai.
Mas, pelo menos fora de campo, Domingos e Ademir eram bem diferentes. Vi os dois num programa do Jô Soares e o contraste me surpreendeu. Enquanto o tímido Ademir limitava-se a sorrir e a responder com monossílabos, Domingos era loquaz e brincalhão.
Sobre sua célebre expulsão, contra a Itália, na Copa de 1938, o velho craque falou de modo sereno e espirituoso: "O sujeito me deu um pontapé. Em vez de revidar, o certo seria eu dizer a ele: "O senhor não devia ter feito isso". Mas ele era italiano e não ia entender".
A imagem de Domingos da Guia que vai ficar comigo é essa: a de um homem que unia a sabedoria do ancião com o espírito travesso do menino. A Folha mostrou que, por obra e graça da insanidade do regulamento, no clássico de amanhã entre Palmeiras e Corinthians leva vantagem quem perder. O que pesará mais? O cálculo pragmático ou a rivalidade? Aposto todas as fichas na última.
E-mail: jgcouto@uol.com

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