São Paulo, domingo, 20 de maio de 2007

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TOSTÃO

Pátria, futebol e dinheiro

Quando jogava e chegava ao final do ano, sonhava com as férias, o mar, a praia, a cerveja gelada, sem nenhuma culpa

POR CAUSA da globalização, da facilidade de comunicação e locomoção, do massacrante marketing comercial e por outros motivos, diminui, progressivamente, no mundo todo, o sentimento, o orgulho de pertencer a uma nação. Ao mesmo tempo, existe um sentimento contrário, de apego, de fortalecer os laços afetivos com as pequenas coisas e de achar que o rio que passa por minha cidade é o rio mais bonito do mundo, parafraseando Fernando Pessoa. Infelizmente, têm surgido também, em várias partes do mundo, movimentos extremistas, nacionalistas, chauvinistas e racistas.
A contradição sempre foi uma característica humana. Homens e mulheres, que sempre desejaram viver em um ambiente familiar, aconchegante e seguro, fantasiam e sonham com uma vida sem fronteiras, em ultrapassar os seus limites e de se perder ou de se achar pelo mundo. Na adolescência, enquanto jogava futebol, vivia numa família feliz, estudava e lia autores brasileiros, que glamourizavam as nossas coisas, lia tudo do escritor alemão Hermann Hesse e sonhava viver como ele, livre, viajando e caminhando por todos os lugares. Contam que demoraram algumas semanas para achá-lo e avisá-lo de que ele tinha ganhado o Prêmio Nobel de Literatura.
O futebol vive hoje também sua dualidade. Cada vez mais, os clubes mais poderosos da Europa fortalecem os seus campeonatos em detrimento das competições das seleções e da Copa do Mundo. Sempre que vejo o estádio lotado fico com a sensação de que os europeus, e talvez hoje os brasileiros, vibrem mais com os clubes do que com as seleções. Grande número de torcedores se tornou também mais consumidor das marcas dos patrocinadores do que fanáticos por seus clubes e suas seleções. Os clubes e as seleções são hoje parceiros e se confundem com os seus patrocinadores. Antes da Copa do Mundo de 98, em um treino da seleção brasileira na cidade de Bilbao, na Espanha, estava escrito na porta do vestiário: Nike Brasil.
Será que o Dunga não convocaria Ronaldinho e Kaká para os dois amistosos, mas o fez por exigência contratual e/ou por imposição da CBF e dos patrocinadores? Não sei. Como os grandes craques ganham fortunas de seus clubes e patrocinadores, que nem sempre são os de suas seleções, há, infelizmente, uma tendência mundial, em todos os esportes, de os atletas se entusiasmarem mais com os torneios de seus clubes e com as marcas que representam do que com as suas seleções.
Poderia aproveitar o raciocínio e dizer que o principal motivo de Kaká e Ronaldinho pedirem dispensa da Copa América é a falta de dedicação ao time nacional. Sei ainda que muitos vão aproveitar o fato para falarem de novo que eles não são patriotas e que jogaram mal a Copa de 2006 porque estavam desinteressados. Dunga, contrariado, inflamou mais a ferida, ao dizer que ela continua aberta por causa do Mundial. Não é por aí. Kaká e Ronaldinho têm razão em pedir dispensa da Copa América porque estarão de férias. Isso precisa ser respeitado.
Quando eu jogava e se aproximava o final do ano, sonhava com as férias, com o mar, a praia, a cerveja gelada e outros prazeres, sem culpa e sem preocupação de engordar.

tostao.folha@uol.com.br


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