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TOSTÃO
Pátria, futebol e dinheiro
Quando jogava e chegava ao final do ano, sonhava com as férias, o mar, a praia, a cerveja gelada, sem nenhuma culpa
POR CAUSA da globalização, da
facilidade de comunicação e
locomoção, do massacrante
marketing comercial e por outros
motivos, diminui, progressivamente, no mundo todo, o sentimento, o
orgulho de pertencer a uma nação.
Ao mesmo tempo, existe um sentimento contrário, de apego, de fortalecer os laços afetivos com as pequenas coisas e de achar que o rio
que passa por minha cidade é o rio
mais bonito do mundo, parafraseando Fernando Pessoa.
Infelizmente, têm surgido também, em várias partes do mundo,
movimentos extremistas, nacionalistas, chauvinistas e racistas.
A contradição sempre foi uma característica humana. Homens e mulheres, que sempre desejaram viver
em um ambiente familiar, aconchegante e seguro, fantasiam e sonham
com uma vida sem fronteiras, em ultrapassar os seus limites e de se perder ou de se achar pelo mundo.
Na adolescência, enquanto jogava
futebol, vivia numa família feliz, estudava e lia autores brasileiros, que
glamourizavam as nossas coisas, lia
tudo do escritor alemão Hermann
Hesse e sonhava viver como ele, livre, viajando e caminhando por todos os lugares. Contam que demoraram algumas semanas para achá-lo
e avisá-lo de que ele tinha ganhado o
Prêmio Nobel de Literatura.
O futebol vive hoje também sua
dualidade. Cada vez mais, os clubes
mais poderosos da Europa fortalecem os seus campeonatos em detrimento das competições das seleções
e da Copa do Mundo. Sempre que
vejo o estádio lotado fico com a sensação de que os europeus, e talvez
hoje os brasileiros, vibrem mais com
os clubes do que com as seleções.
Grande número de torcedores se
tornou também mais consumidor
das marcas dos patrocinadores do
que fanáticos por seus clubes e suas
seleções. Os clubes e as seleções são
hoje parceiros e se confundem com
os seus patrocinadores. Antes da
Copa do Mundo de 98, em um treino
da seleção brasileira na cidade de
Bilbao, na Espanha, estava escrito
na porta do vestiário: Nike Brasil.
Será que o Dunga não convocaria
Ronaldinho e Kaká para os dois
amistosos, mas o fez por exigência
contratual e/ou por imposição da
CBF e dos patrocinadores? Não sei.
Como os grandes craques ganham
fortunas de seus clubes e patrocinadores, que nem sempre são os de
suas seleções, há, infelizmente, uma
tendência mundial, em todos os esportes, de os atletas se entusiasmarem mais com os torneios de seus
clubes e com as marcas que representam do que com as suas seleções.
Poderia aproveitar o raciocínio e
dizer que o principal motivo de Kaká e Ronaldinho pedirem dispensa
da Copa América é a falta de dedicação ao time nacional. Sei ainda que
muitos vão aproveitar o fato para falarem de novo que eles não são patriotas e que jogaram mal a Copa de
2006 porque estavam desinteressados. Dunga, contrariado, inflamou
mais a ferida, ao dizer que ela continua aberta por causa do Mundial.
Não é por aí. Kaká e Ronaldinho
têm razão em pedir dispensa da Copa América porque estarão de férias.
Isso precisa ser respeitado.
Quando eu jogava e se aproximava
o final do ano, sonhava com as férias,
com o mar, a praia, a cerveja gelada e
outros prazeres, sem culpa e sem
preocupação de engordar.
tostao.folha@uol.com.br
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