São Paulo, quarta, 20 de maio de 1998

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Denílson é o símbolo dos novos tempos

ALBERTO HELENA JR.
da Equipe de Articulistas

Antes de mergulharmos nessa taça transbordante de fel ou hidromel -isso quem nos dirá será o time de Zagallo, na França-, deixem-me fechar a agenda desta primeira metade da temporada.
Foi um tempo de generosa safra e de prolongada estiagem também. Quer dizer: por aqui, tivemos um campeonato que, no fim das contas, cumpriu seus desígnios -os grandes foram devidamente poupados daquela fase classificatória, sempre extenuante e deficitária, e só entraram na hora do filé mignon, que é, aliás, como deve ser mesmo. Resultado: tanto foi profícuo o primeiro tempo do torneio, só com os pequenos, reforçados com a Lusa, quanto o segundo. O que deixou um travo amargo foi um juiz argentino que impediu a Lusa de disputar o título.
Mas, no fim, ganhou o melhor. Não apenas o time mais bem preparado técnica, tática e fisicamente. Mas o time que ousou, por força das características dos jogadores escalados, praticar um futebol, ao mesmo tempo, bonito, sintonizado com a velha escola brasileira de jogar bola, e eficiente.
E aqui, como num aceno de até breve, elejo Denílson o jogador que simboliza esses novos tempos que, espero, advirão. Pois aos seus pés mágicos se concentram todas as qualidades que se exigem dos verdadeiros craques: habilidade incomum, destemor, obediência tática aliada a um grau de individualidade invejável e, sobretudo, senso de participação. É o mesmo Denílson irreverente, moleque, fantasista, até mesmo debochado, que fica lá na frente brincando de esconde-esconde com a bola e os zagueiros inimigos, que, quando seu time é atacado, vem aqui atrás brigar pela recuperação do seu bem mais precioso -o objeto do jogo e do desejo de qualquer menino.
Eis por que fico com os cabelos eriçados quando ouço aqueles mesmos críticos, que há bem pouco tempo ficavam esganiçando o chavão colhido nas arquibancadas -"Solta a bola, Denílson!"-, agora, sentenciando, do alto de sua cegueira, que esse menino tem de jogar é lá na frente, aberto na ponta, como um bibelô rococó.
Mais sábio do que todos eles, neste caso específico, é Zagallo, que quer se ver em Denílson. Isto é: um jogador absolutamente integrado ao esquema que exige participação múltipla. Meu Deus!, se ele tem fôlego, técnica e predisposição para cumprir várias tarefas, por que limitá-lo a uma só?
Mesmo porque, vindo aqui combater, ele pode explorar as várias facetas de seu futebol contagiante: os dribles em sequência, na mais alta velocidade, o passe justo, o lançamento, as tabelas, enfim, tudo aquilo que lhe permite escapar de uma marcação rígida e burocrática. Ora, se, ao contrário, ele ficar lá na frente, colado à linha marginal do campo, será sempre presa mais fácil para o marcador.
Claro que, por instinto e percepção, Denílson irá com frequência àquela zona do campo que lhe tem sido tão pródiga. Mas o fará na sequência da jogada que nasce com ele mesmo no meio-campo, de surpresa, quando o lateral estiver à sua caça e a defesa inimiga virada ao avesso. Aí, sim.
PS: Ah, sim, a estiagem fica por conta do Estadual do Rio, uma ópera bufa inacabada.


Alberto Helena Jr. escreve às quartas, domingos e segundas



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