São Paulo, quarta-feira, 20 de junho de 2001

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TÊNIS

Guga, Pelé e um "oi"

RÉGIS ANDAKU
COLUNISTA DA FOLHA

Em uma de suas inúmeras visitas à Suíça, coisa de quatro, cinco anos atrás, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, caminhou 200 metros, sem seguranças, em um belo dia de sol, até um prédio público. Jornalistas de pelo menos 20 países esperavam o maior atleta de todos os tempos. Juntando-se aos câmeras e ao pessoal da área técnica, era uma bagunça com mais de 50 pessoas ávidas por uma imagem, uma palavra, um autógrafo ou simplesmente um olhar atencioso de Pelé.
Mesmo acostumado ao assédio, Pelé não deixou de mostrar uma cara de surpresa com o batalhão à frente, dentro do prédio. Cercado por alemães, brasileiros, franceses, argentinos, espanhóis, sul-africanos, italianos, suecos, norte-americanos, ingleses, turcos e até um bravo japonês, o rei saiu-se com uma frase em inglês: "Eu vou lá dentro resolver umas coisas e na volta falo com vocês".
A frase de Pelé foi repetida pela multidão, um avisando o outro, e o batalhão passou, então, a esperar pelo astro.
Não mais que 40 minutos depois, Pelé voltou. À saída, à TV inglesa, pronunciou uma frase em inglês. À uma rádio italiana, mandou ver, uma frase só, no italiano. A jornais argentinos e espanhóis, falou em espanhol. Com os franceses, sério, saltou também uma frase em francês.
E, por fim, fez o japonês turrão sorrir ao se despedir em japonês. Nada além de dez minutos.
Na volta, entrando em um carro, ainda ouviu uma brasileira falar: "Que paciência, Pelé!". E, depois de tantas línguas, falou em português: "Eles só querem um pouco de atenção".
Pelé passou a semana em Lausanne. Foi a restaurantes, circulou pelo hotel, conversou em áreas públicas... E nenhum jornalista incomodou mais o rei.

Conto essa história que presenciei porque dela me lembrei ao ver as imagens da volta de Gustavo Kuerten ao país depois da conquista em Roland Garros.
Em uma semana de tricampeonato na França e do início da temporada de grama na Inglaterra, tornou-se, no e-mail abaixo, o assunto mais discutido, para o bem e para o mal.
De um lado, colegas jornalistas querendo mais notícias, frases, fotos do esportista mais badalado do país na atualidade. E fãs e torcedores esperando alguma coisa a mais, um "oi" que seja, do campeão em seu retorno.
Do outro lado, porém, um Guga arredio, quieto, ignorando os apelos, os microfones. Disse que ia para o litoral paulista, mas, mentira, foi para o mar baiano.
Alguns exigem deste colunista um recado ao Guga. Que ele não se afaste de seus fãs, que não vire a cara, que não se cale e que não vire um sujeito inatingível. Outros pedem a este colunista que afaste do Guga os jornalistas, os papparazzi que só atrapalham o descanso do campeão.
Concordo que Guga não tem obrigação de falar "oi" para quem não conhece. Diz a boa educação que é de bom tom falar. Mas o tenista, tricampeão, número um do mundo, blablablá, não tem obrigação nenhuma, mesmo que isso frustre seus fãs. Ou, então, terá de aceitar ser chamado de "mascarado", como foi ontem, em uma rádio de Florianópolis, por aqueles que, até dias atrás, o adulavam.
Guga não é Pelé, mas, enquanto não disser que vai lá e já volta, todo mundo vai continuar indo atrás.

Correspondência 1
Nem todos escreveram para falar do Guga: "Chamo Bruno, tenho 15 anos e estou sendo influenciado por Guga. Não sabia nada sobre tênis, mas agora sei o que é smash, match point... Meus favoritos a Wimbledon: Sampras, Agassi, Federer e Rafter."

Correspondência 2
"Meu primo também joga, tem 18 anos e se chama Thiago Alves. Já ouviu falar?" Quem perguntou foi o Clayton Alves. Já ouvi falar, já vi jogar. É mais um que passa por um dos momentos mais difíceis para os brasileiros: virar gente grande.

Correspondência 3
"Ao ler que Kuerten pensava em desistir de Wimbledon, foi como se estivesse vendo Senna se recusando a correr em Mônaco. Craque não escolhe piso ou adversário (ou circuito...)." Jonas, Guga não vai, acompanharemos Wimbledon com atenção.

E-mail: reandaku@uol.com.br



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