|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TURISTA OCIDENTAL
Em Okinawa, ar puro e estilo de vida levam moradores a bater recordes de longevidade
A fonte da juventude
MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A OKINAWA
Professor aposentado de uma
escola agrícola, Nohara Kaoru
chega ao mercado público de Naha, principal cidade do arquipélago de Okinawa, calçando um par
de tênis brancos e carregando nas
costas uma mochila jeans.
Ele se senta numa mesa redonda para 20 pessoas na qual um
grupo de dois americanos, uma
japonesa, uma coreana e um brasileiro almoça num restaurante
popular e comenta a eliminação
da Copa, na véspera, do Japão.
Conta que está ali fazendo compras de produtos inexistentes na
área rural onde mora. Viúvo, cuida da casa e planta as frutas, as
verduras e os legumes que consome. Só sai para ir a Naha ou Miako, ilha vizinha, onde se encontra
com antigos colegas de colégio.
Ele puxa da carteira o seu documento da previdência social e diz:
"Tenho 90 anos". Está escrito:
nasceu no ano 44 da era Meiji
(1868-1912) -em 1911, portanto.
Completará 91 neste ano. Depois
da refeição, sai apressado em passos rápidos. Quase corre.
Se, ao descer as escadas, sair à
direita, depois virar à esquerda e
novamente à direita, caminhando
50 metros, é possível que a lojista
Fumi Chinen diga ao ver Kaoru
passar: "Lá vai aquele garoto".
Fumi tem uma loja de vestuário
feminino que leva seu nome. Trabalha todos os dias. Agora, porém, deu uma saída para dormir.
Em 23 de janeiro festejou o centenário de nascimento. Como ela,
há pelo menos outros 430 moradores de Okinawa com cem anos
ou mais. O mais velho tem 112.
Considerando países e regiões
com controle confiável da data de
nascimento, não existe lugar com
presença relativa tão grande de
centenários. No levantamento
concluído no ano passado, havia
427 (366 mulheres e 61 homens).
Como os que alcançaram a marca
desde então são mais do que os
que morreram, o número já é
maior, ainda não se sabe qual.
Okinawa fica a mais de 1.300
quilômetros ao sul das maiores
ilhas japonesas. Na população de
1,27 milhão de habitantes, há 34
indivíduos com cem anos ou mais
em cada 100 mil. Nos EUA, o índice é pouco acima de dez. No Brasil, 14 (24.576 pessoas), taxa questionável devido à falta de comprovação de muitas idades.
Okinawa é um dos poucos lugares do mundo em que se conta
com o ar mais natural possível,
quase blasé, que uma mulher de
105 anos matou uma cobra a pauladas. Ou que um faixa-preta de
caratê derrubava, aos 97, oponentes dezenas de anos mais novos.
Um programa lançado em 1976
pelo Ministério da Saúde e Bem-Estar do Japão e hoje apoiado por
entidades como a Universidade
de Harvard (EUA) tenta identificar o que teria Okinawa da fonte
da juventude buscada pelo espanhol Ponce de León no século 16.
Ou o que, cientificamente, tornaria viável Shangrilá, o paraíso
onde se viveriam centenas de
anos, como imaginado pelo escritor britânico James Hilton em
"Horizonte Perdido".
O livro com as conclusões, "O
Programa Okinawa", foi lançado
nos EUA no ano passado. Os autores são o coordenador do projeto, o cardiologista e geriatra japonês Makoto Suzuki, 68, e o geriatra norte-americano Craig Willcox, 41, ambos da Universidade
Internacional de Okinawa.
A constatação fundamental é
que o estilo de vida tem mais influência na longevidade do que a
herança genética. Uma pesquisa
desenvolvida por Suzuki com um
ex-professor seu, Yukio Moriguchi, mostrou que os naturais de
Okinawa que emigraram para o
Brasil têm uma expectativa de vida 17 anos inferior à dos que ficaram. A diferença é como vivem.
Moriguchi, professor da PUC-RS, investigou um núcleo de centenas de imigrantes em Mato
Grosso do Sul. Um dos motivos
que provocariam a morte mais
cedo seria uma dieta gordurosa,
distante do mar e seus alimentos.
A expectativa de vida de uma
pessoa ao nascer em Okinawa é de
81,2 anos, isoladamente maior
que a do conjunto do Japão, insuperável no mundo, 79,9. No Brasil, é de 68,6 anos (dado de 2000).
Em Okinawa, morre-se menos
de doenças cardíacas, derrames
cerebrais e câncer, incluindo o de
estômago, o de pulmão, o de
próstata e o de útero. Doenças
crônicas da velhice têm incidência
reduzida ou inexistente. A menopausa começa aos 52 anos. Há
20% a menos de fratura de quadris que no Japão, cujo índice é
quase a metade do dos EUA. Os
ossos dos idosos são mais densos.
A taxa do hormônio testosterona
é 40% superior na comparação
entre homens de 70 anos de Okinawa e americanos.
A dieta tem contribuição decisiva. É baixa a ingestão de calorias,
seguindo o ditado "hara hachi
bu" -comer só até estar 80%
cheio. Come-se pouca gordura
(quase nada de carne vermelha e
muito peixe). O forte são frutas,
vegetais e derivados da soja, como
o tofu (espécie de queijo).
Os centenários (mais de 600) e
idosos (a partir dos 70 anos) pesquisados se exercitam habitualmente: esportes leves, dança, jardinagem, caminhadas. Boa parte
trabalha, mesmo que em afazeres
domésticos. Têm atitude "psico-espiritual", como o programa a
chama, que minimiza o estresse.
O Estado dá assistência médica.
O problema, para quem ouviu
ontem os professores Suzuki e
Willcox, é pensar no espelho e ter
a sensação de que, com o sedentarismo nutrido por batata frita e
Coca-Cola, não restam mais que
alguns meses de vida.
Texto Anterior: José Geraldo Couto: Brasil tende a crescer diante dos ingleses Próximo Texto: Toni Negri: O futebol está preso numa camisa-de-força Índice
|