São Paulo, quinta-feira, 20 de junho de 2002

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TURISTA OCIDENTAL

Em Okinawa, ar puro e estilo de vida levam moradores a bater recordes de longevidade

A fonte da juventude

MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A OKINAWA

Professor aposentado de uma escola agrícola, Nohara Kaoru chega ao mercado público de Naha, principal cidade do arquipélago de Okinawa, calçando um par de tênis brancos e carregando nas costas uma mochila jeans.
Ele se senta numa mesa redonda para 20 pessoas na qual um grupo de dois americanos, uma japonesa, uma coreana e um brasileiro almoça num restaurante popular e comenta a eliminação da Copa, na véspera, do Japão.
Conta que está ali fazendo compras de produtos inexistentes na área rural onde mora. Viúvo, cuida da casa e planta as frutas, as verduras e os legumes que consome. Só sai para ir a Naha ou Miako, ilha vizinha, onde se encontra com antigos colegas de colégio.
Ele puxa da carteira o seu documento da previdência social e diz: "Tenho 90 anos". Está escrito: nasceu no ano 44 da era Meiji (1868-1912) -em 1911, portanto. Completará 91 neste ano. Depois da refeição, sai apressado em passos rápidos. Quase corre.
Se, ao descer as escadas, sair à direita, depois virar à esquerda e novamente à direita, caminhando 50 metros, é possível que a lojista Fumi Chinen diga ao ver Kaoru passar: "Lá vai aquele garoto".
Fumi tem uma loja de vestuário feminino que leva seu nome. Trabalha todos os dias. Agora, porém, deu uma saída para dormir. Em 23 de janeiro festejou o centenário de nascimento. Como ela, há pelo menos outros 430 moradores de Okinawa com cem anos ou mais. O mais velho tem 112.
Considerando países e regiões com controle confiável da data de nascimento, não existe lugar com presença relativa tão grande de centenários. No levantamento concluído no ano passado, havia 427 (366 mulheres e 61 homens). Como os que alcançaram a marca desde então são mais do que os que morreram, o número já é maior, ainda não se sabe qual.
Okinawa fica a mais de 1.300 quilômetros ao sul das maiores ilhas japonesas. Na população de 1,27 milhão de habitantes, há 34 indivíduos com cem anos ou mais em cada 100 mil. Nos EUA, o índice é pouco acima de dez. No Brasil, 14 (24.576 pessoas), taxa questionável devido à falta de comprovação de muitas idades.
Okinawa é um dos poucos lugares do mundo em que se conta com o ar mais natural possível, quase blasé, que uma mulher de 105 anos matou uma cobra a pauladas. Ou que um faixa-preta de caratê derrubava, aos 97, oponentes dezenas de anos mais novos.
Um programa lançado em 1976 pelo Ministério da Saúde e Bem-Estar do Japão e hoje apoiado por entidades como a Universidade de Harvard (EUA) tenta identificar o que teria Okinawa da fonte da juventude buscada pelo espanhol Ponce de León no século 16.
Ou o que, cientificamente, tornaria viável Shangrilá, o paraíso onde se viveriam centenas de anos, como imaginado pelo escritor britânico James Hilton em "Horizonte Perdido".
O livro com as conclusões, "O Programa Okinawa", foi lançado nos EUA no ano passado. Os autores são o coordenador do projeto, o cardiologista e geriatra japonês Makoto Suzuki, 68, e o geriatra norte-americano Craig Willcox, 41, ambos da Universidade Internacional de Okinawa.
A constatação fundamental é que o estilo de vida tem mais influência na longevidade do que a herança genética. Uma pesquisa desenvolvida por Suzuki com um ex-professor seu, Yukio Moriguchi, mostrou que os naturais de Okinawa que emigraram para o Brasil têm uma expectativa de vida 17 anos inferior à dos que ficaram. A diferença é como vivem.
Moriguchi, professor da PUC-RS, investigou um núcleo de centenas de imigrantes em Mato Grosso do Sul. Um dos motivos que provocariam a morte mais cedo seria uma dieta gordurosa, distante do mar e seus alimentos.
A expectativa de vida de uma pessoa ao nascer em Okinawa é de 81,2 anos, isoladamente maior que a do conjunto do Japão, insuperável no mundo, 79,9. No Brasil, é de 68,6 anos (dado de 2000).
Em Okinawa, morre-se menos de doenças cardíacas, derrames cerebrais e câncer, incluindo o de estômago, o de pulmão, o de próstata e o de útero. Doenças crônicas da velhice têm incidência reduzida ou inexistente. A menopausa começa aos 52 anos. Há 20% a menos de fratura de quadris que no Japão, cujo índice é quase a metade do dos EUA. Os ossos dos idosos são mais densos. A taxa do hormônio testosterona é 40% superior na comparação entre homens de 70 anos de Okinawa e americanos.
A dieta tem contribuição decisiva. É baixa a ingestão de calorias, seguindo o ditado "hara hachi bu" -comer só até estar 80% cheio. Come-se pouca gordura (quase nada de carne vermelha e muito peixe). O forte são frutas, vegetais e derivados da soja, como o tofu (espécie de queijo).
Os centenários (mais de 600) e idosos (a partir dos 70 anos) pesquisados se exercitam habitualmente: esportes leves, dança, jardinagem, caminhadas. Boa parte trabalha, mesmo que em afazeres domésticos. Têm atitude "psico-espiritual", como o programa a chama, que minimiza o estresse. O Estado dá assistência médica.
O problema, para quem ouviu ontem os professores Suzuki e Willcox, é pensar no espelho e ter a sensação de que, com o sedentarismo nutrido por batata frita e Coca-Cola, não restam mais que alguns meses de vida.



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