São Paulo, quinta-feira, 20 de junho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TONI NEGRI

O futebol está preso numa camisa-de-força

Eu ainda não sei, e ninguém até este momento sabe, quem vencerá a Copa do Mundo. Nas previsões das bolsas de apostas e dos "tifosi", a eliminada Itália estava muito bem. Mesmo o Campeonato Italiano, que alguma vez foi considerado "o mais belo do mundo", é certamente hoje o mais feio.
Por quê? Porque é um futebol que não tem mais uma identidade e uma personalidade, é um futebol no qual todos os jogadores são iguais entre si, e, quando aparece algum diferente, acaba reduzido a ser como os outros.
Antes existiam os zagueiros da classe operária, brutos, mas honestos. Existiam os meias velozes que se moviam transformando o campo em uma rede de possibilidades. Havia os atacantes que surpreendiam pelo imprevisto.
E ainda tinha o líbero, que, de sua posição, dominava tudo. Abria o campo como a golpes de foice, atravessando dezenas de metros. Depois fechava seu campo como um gladiador, quando, por acaso, por lá passava um atacante oponente.
Hoje, os jogadores são todos iguais e valem a metade ou um quarto daquilo que valiam os jogadores de um tempo atrás.
Não é por nada que os canais esportivos preencham o tempo com estatísticas, esquemas táticos e replays. Eles precisam criar um logo, uma marca para esses jogadores sem identidade.
A alternativa é entre o tédio e a violência. O campeonato mais feio do mundo só oferece isso. Há compactos de partidas que são tão repetitivas quanto ver o tráfego em uma rodovia. Mas há também jogos com tanta violência, que chamam a atenção pela novidade e pela paixão.
Parecia impossível, mas, de verdade, se está realizando a profecia do horripilante filme "Rollerball", que vi anos atrás.
Disseram-me que, coincidindo com a Copa do Mundo, o filme entrou outra vez em cartaz em algumas repúblicas asiáticas, com enorme sucesso.
É um cenário feroz, onde a cobiça dos dirigentes e dos bookmakers edifica a violência de um esporte circense, onde os jogadores, para que siga o espetáculo, devem massacram uns aos outros.
Quando a alegria do jogo é substituída pela busca do lucro -e o resultado não é uma honra, mas um investimento industrial-, o futebol fica feio.
O paradoxal consiste no fato de o Campeonato Italiano ser um dos paradigma mais importantes do futebol mundial. Feio e violento, violento porque é feio e vice-versa.
Na democracia global do Império, esta forma de espetáculo entra como uma luva na era das comunicações. Às vezes, acho que altíssima frequência de faltas e contusões no jogo são provocadas de propósito para permitir que seja inserida uma propaganda durante a partida. Sei que não é verdade, mas os jogos são tão chatos, que a inserção de publicidade acaba sendo uma coisa prazerosa.
O fato é que o futebol (o italiano e o mundial) está agora preso em uma camisa-de-força, aquela que o business e a publicidade determinam em torno de toda atividade humana.
Não há saída: o melhor para recuperar a magia do esporte é fechar os olhos.


Toni Negri, 69, filósofo italiano, é autor de ""Império", entre outros

Tradução de Rodrigo Bertolotto



Texto Anterior: Turista Ocidental: A fonte da juventude
Próximo Texto:
FOLHA ESPORTE
Vôlei: Treinador renova seleção e já descarta pódio na temporada

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.