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Uma noite num shebeen
Repórter acompanha o movimento em boteco onde sul-africanos se reúnem para conversar e criticar a seleção
FÁBIO ZANINI
DE JOHANNESBURGO
Acabou a paciência da freguesia do Joyce's Inn com
Carlos Alberto Parreira.
É noite de quinta-feira, e o
pé-sujo ao lado do Bara Taxi
Rank, maior terminal de lotações de Soweto, tem 20 pessoas ainda de ressaca moral
pela derrota para o Uruguai,
na véspera. Para curá-la, recorrem a garrafas de um litro
de cerveja Castle Lager, a 12
rands (R$ 3) cada uma.
Ali funciona um "shebeen" (pronuncia-se "xibín"), boteco de periferia que
é a melhor caixa de ressonância das massas sul-africanas.
Alfonse Tlome, motorista
de lotação, toma sua cerveja
no gargalo. Acha que Parreira desistiu de treinar a seleção: "Só quer pegar o dinheiro e ir embora". Frequenta o
local há anos. "Tenho 65
anos, mas ainda estou forte."
Parreira vinha em alta com
a torcida sul-africana até o
começo da Copa. Eram 11 jogos invictos para os Bafana
Bafana, ainda que com performances medíocres em cima de equipes fracas.
Criou-se a ilusão de que
passar para a segunda fase
seria possível, e a dura realidade das duas primeiras rodadas deixou uma nação se
perguntando o que ocorreu.
Nas mesas de plástico do
Joyce's Inn, ambiente mal
iluminado e com a mascote
Zakumi toscamente pintada
numa parede de vidro, teses
começam a surgir.
Colin, vendedor em uma
loja de departamentos, acha
que o técnico não está passando aos jogadores tudo o
que sabe. Sipho, chaveiro,
tem outra explicação. "Talvez ele esteja treinando os jogadores demais. Todos estão
cansados", afirma.
A decepção com Parreira é
grande, mas com os jogadores o sentimento beira a fúria.
Mencionar o nome Teko Modise, meio-campo do Orlando Pirates, time mais popular
do bairro, é exaltar os ânimos
de pessoas que já estão na segunda ou terceira cerveja.
"Modise? Pfui...", suspira raivoso Thambiso Mashido, 21.
Noutro "shebeen" de Soweto, o The Shack ("o barraco"), duas dezenas de pessoas bebem cerveja incessantemente, em bancos de
madeira. Outro grupo se esparrama num sofá velho.
O ambiente tem uma TV ligada no jogo entre França e
México. Todos estão ali para
torcer por um empate, única
forma de dar uma chance
realista aos Bafana. Aplaudem laterais e desarmes.
Depois do primeiro gol mexicano, há uma súbita conversão. Todos são franceses
desde que nasceram.
"Estamos fora, estamos fora, estamos fora...", lamenta
uma inconsolável Mohane,
moradora da região, ao final
da partida.
Jabu Ndlovu, 25, diz que a
equipe não está correspondendo ao apoio recebido da
torcida. Mas, como parte dos
sul-africanos, ele ainda guarda respeito residual por Parreira. A culpa é dos jogadores, que não aprendem.
"É como dizem: você pode
levar o cavalo até o rio, mas
não pode forçá-lo a beber."
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