São Paulo, domingo, 20 de junho de 2010

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Uma noite num shebeen

Repórter acompanha o movimento em boteco onde sul-africanos se reúnem para conversar e criticar a seleção

FÁBIO ZANINI
DE JOHANNESBURGO

Acabou a paciência da freguesia do Joyce's Inn com Carlos Alberto Parreira.
É noite de quinta-feira, e o pé-sujo ao lado do Bara Taxi Rank, maior terminal de lotações de Soweto, tem 20 pessoas ainda de ressaca moral pela derrota para o Uruguai, na véspera. Para curá-la, recorrem a garrafas de um litro de cerveja Castle Lager, a 12 rands (R$ 3) cada uma.
Ali funciona um "shebeen" (pronuncia-se "xibín"), boteco de periferia que é a melhor caixa de ressonância das massas sul-africanas.
Alfonse Tlome, motorista de lotação, toma sua cerveja no gargalo. Acha que Parreira desistiu de treinar a seleção: "Só quer pegar o dinheiro e ir embora". Frequenta o local há anos. "Tenho 65 anos, mas ainda estou forte."
Parreira vinha em alta com a torcida sul-africana até o começo da Copa. Eram 11 jogos invictos para os Bafana Bafana, ainda que com performances medíocres em cima de equipes fracas.
Criou-se a ilusão de que passar para a segunda fase seria possível, e a dura realidade das duas primeiras rodadas deixou uma nação se perguntando o que ocorreu.
Nas mesas de plástico do Joyce's Inn, ambiente mal iluminado e com a mascote Zakumi toscamente pintada numa parede de vidro, teses começam a surgir.
Colin, vendedor em uma loja de departamentos, acha que o técnico não está passando aos jogadores tudo o que sabe. Sipho, chaveiro, tem outra explicação. "Talvez ele esteja treinando os jogadores demais. Todos estão cansados", afirma.
A decepção com Parreira é grande, mas com os jogadores o sentimento beira a fúria. Mencionar o nome Teko Modise, meio-campo do Orlando Pirates, time mais popular do bairro, é exaltar os ânimos de pessoas que já estão na segunda ou terceira cerveja. "Modise? Pfui...", suspira raivoso Thambiso Mashido, 21.
Noutro "shebeen" de Soweto, o The Shack ("o barraco"), duas dezenas de pessoas bebem cerveja incessantemente, em bancos de madeira. Outro grupo se esparrama num sofá velho.
O ambiente tem uma TV ligada no jogo entre França e México. Todos estão ali para torcer por um empate, única forma de dar uma chance realista aos Bafana. Aplaudem laterais e desarmes.
Depois do primeiro gol mexicano, há uma súbita conversão. Todos são franceses desde que nasceram.
"Estamos fora, estamos fora, estamos fora...", lamenta uma inconsolável Mohane, moradora da região, ao final da partida.
Jabu Ndlovu, 25, diz que a equipe não está correspondendo ao apoio recebido da torcida. Mas, como parte dos sul-africanos, ele ainda guarda respeito residual por Parreira. A culpa é dos jogadores, que não aprendem.
"É como dizem: você pode levar o cavalo até o rio, mas não pode forçá-lo a beber."


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